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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Presidindo a Missa

Na Missa alta, a assistência do Bispo é mais complexa, uma vez que a ele se reversam alguns ritos da Missa. A começar, o Bispo veste-se como que para as vésperas solenes, com estola e pluvial, além das insígnias pontificais. Na procissão de entrada, ocupa o lugar após o celebrante.
Presidindo a Missa

Na Missa alta, a assistência do Bispo é mais complexa, uma vez que a ele se reversam alguns ritos da Missa. A começar, o Bispo veste-se como que para as vésperas solenes, com estola e pluvial, além das insígnias pontificais. Na procissão de entrada, ocupa o lugar após o celebrante.

Se a celebração for na catedral, senta-se na cátedra. Se não arma-se para ele um trono do lado direito do presbitério com três ou pelo menos um degrau.

Assistem-lhe os diáconos e os acólitos assistentes, vestidos da mesma forma que para a missa. Não existe nessa celebração a figura do presbítero assistente; podemos entender que esse presbítero "torna-se" o presbítero celebrante.

No início da celebração, o Bispo diz o Confietor ao pé do altar junto do celebrante.

Também dá a bênção ao subdiácono depois da leitura da Epístola e ao diácono antes do Evangelho. Todos os demais ritos da pars didatica, são executados pelo Bispo.

Antes de iniciar a liturgia eucarística, o celebrante, o diácono e o subdiácono fazem reverência ao Bispo. Na forma extraordinária, apenas os cônegos saúdam o Bispo com reverência profunda, todos os demais fazem-lhe genuflexão.

Embora as funções da Liturgia Eucarística tenham sido transferidas para o presbítero, é função do Bispo abençoar a água para que uma gota seja misturada ao vinho a ser consagrado e também o incenso para a turificação do ofertório.

Durante o Cânon, o Bispo se ajoelha ao centro do altar. Recebe a comunhão dalí a comunhão.

Ao final dá a bênção usando mitra e báculo, como na Missa Pontifical. Saem todos na mesma ordem em que entraram.

http://www.salvemaliturgia.com/2012/02/in-coram-episcopo.html


Se a celebração for na catedral, senta-se na cátedra. Se não arma-se para ele um trono do lado direito do presbitério com três ou pelo menos um degrau....

Assistem-lhe os diáconos e os acólitos assistentes, vestidos da mesma forma que para a missa. Não existe nessa celebração a figura do presbítero assistente; podemos entender que esse presbítero "torna-se" o presbítero celebrante.

No início da celebração, o Bispo diz o Confietor ao pé do altar junto do celebrante.

Também dá a bênção ao subdiácono depois da leitura da Epístola e ao diácono antes do Evangelho. Todos os demais ritos da pars didatica, são executados pelo Bispo.

Antes de iniciar a liturgia eucarística, o celebrante, o diácono e o subdiácono fazem reverência ao Bispo. Na forma extraordinária, apenas os cônegos saúdam o Bispo com reverência profunda, todos os demais fazem-lhe genuflexão.

Embora as funções da Liturgia Eucarística tenham sido transferidas para o presbítero, é função do Bispo abençoar a água para que uma gota seja misturada ao vinho a ser consagrado e também o incenso para a turificação do ofertório.

Durante o Cânon, o Bispo se ajoelha ao centro do altar. Recebe a comunhão dalí a comunhão.

Ao final dá a bênção usando mitra e báculo, como na Missa Pontifical. Saem todos na mesma ordem em que entraram.

Fonte: http://www.salvemaliturgia.com/2012/02/in-coram-episcopo.html

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

“O vinho derramou-se”. O que fazer?

Excelente post do Direto da Sacristia


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Podem acontecer acidentes durante a Missa, tais como cair um inseto dentro do vinho consagrado ou o Celebrante passar mal. Apesar de serem detalhe e raridade, são situações que acontecem e devem ser objeto de preocupação sobre o modo de corretamente proceder em suas ocorrências. Para isto, recorremos ao Missal antigo, visto que o Missal de Paulo VI não dispõe dessas orientações práticas e, assim, é enriquecido com resoluções centenárias e eficientes. Certamente não será bobagem ou preocupação desnecessária àqueles que se preocupam com a Santíssima Eucaristia e com a dignidade do culto. Imaginamos que todos se preocupam...
 
 
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Canon Missa rito ambrosiano casula romana dourada missal

1. A igreja ou o lugar onde é celebrada a Missa é profanado
Se se deu antes da Oração Eucarística, o Celebrante retira-se do altar; se foi durante a Oração Eucarística, continua a Missa.
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2. Ocorre algo que impeça a celebração naquele momento, tal como inundação, ataque ou desabamento
O Celebrante, se ainda não consagrou [as duas Espécies], retira-se; se já tiver consagrado, pode comungar imediatamente e omitir as restantes cerimônias.
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3. O Celebrante ou morreu ou subitamente fica enfermo, de modo que não pode mais concluir o Sacrifício
Se isto lhe sucedeu entre a consagração da Primeira Espécie e a Comunhão, a Missa deve ser continuada por outro sacerdote a partir do lugar em que foi interrompida. Se não se sabe onde se parou a celebração, julga-se pela posição do Missal, da hóstia etc. Se se duvida se tinha feito a Consagração, repete-se a Consagração sob condição [desta não ter ocorrido], sobre a mesma ou nova matéria.
Se o acidente aconteceu quando o Celebrante estiver a meio da fórmula da Primeira Consagração, não é necessário continuar a Missa. Se, porém, aconteceu em meio à fórmula da Segunda Consagração, o Sacerdote que continua a Missa repete a fórmula da Consagração a partir do “Do mesmo modo…”, ou sobre o mesmo cálice ou sobre outro oferecido (refere-se a um cálice com novos vinho e água e com a oração do ofertório) mentalmente, e, neste caso, toma o vinho do primeiro cálice depois de comungar o Preciosíssimo Sangue, antes das purificações ao fim da Comunhão.
Se o Sacerdote que adoeceu pode comungar, o Sacerdote que continua a Missa dá-lhe a comungar.
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4. Um inseto ou qualquer impureza cai dentro do cálice antes da Consagração
O Celebrante depõe aquele vinho num vaso que depois da Missa esvaziará segundo uma purificação digna; coloca no cálice outro vinho e água, oferece-o (segundo a oração do ofertório) mentalmente e continua a Missa.
Se foi depois da Consagração e pode tomar sem repugnância aquela impureza juntamente com o Preciosíssimo Sangue, continua a Missa sem se perturbar.
Se sente repugnância, extrai a impureza, põe-na num vaso, purifica-a com vinho (se for inseto e ele ainda estiver vivo, se tenha cuidado de não perdê-lo de vista), e continua a Missa. Depois da Missa, queima aquela impureza e dispõe a cinza junto à purificação que é feito às alfaias depois da Missa.
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Diácono água vinho cálice Missa“Da nobis per huius aquae et vini mysterium, eius divinitatis esse consortes, qui humanitatis”
“Pelo mistério desta água e deste vinho possamos participar da divindade do Vosso Filho…”
5. Cai no cálice algo venenoso ou que provoca vômito
Se isso acontece antes da Consagração, o Celebrante procede como no número 4.
Se acontece depois da Consagração ou, se tendo caído antes e só for notada depois da Consagração, o Celebrante coloca o vinho consagrado em outro cálice, prepara novo vinho para a Missa, oferece-o, consagra-o e continua a Missa. Depois desta, molha um pano de linho com o Preciosíssimo Sangue e põe no sacrário até que a Espécie do vinho estar inteiramente seca. Queima o tecido e dispõe a cinza dignamente.
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6. Algo venenoso toca na hóstia consagrada
Põe-na em outra patena ou num cálice para guardá-la no sacrário até se corromper, e continua a Missa depois de ter oferecido e consagrado outra hóstia. Depois de corrompida, dá-lhe destino digno.
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7. Fica dentro do cálice a partícula da hóstia consagrada e misturada ao Sangue no Rito da Comunhão
Isso pode acontece quando o Celebrante vai comungar do Sangue. Ele a traz com o indicador até a borda do cálice e a toma antes da purificação deste, ou coloca um pouco de vinho no cálice e toma-a quando beber o líquido.
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8. A hóstia aparece partida ou cortada
Se foi antes do ofertório, o Celebrante põe-na à parte e pega outra hóstia, a não ser que tenha de esperar muito.
Se foi depois do ofertório e antes da Primeira Consagração, o Celebrante deve consagrá-la.
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9. Por descuido ou acidente, a hóstia consagrada cai dentro do cálice
Se só parte da hóstia caiu, o Celebrante continua a Missa, fazendo todas as cerimônias, se for possível, com a outra parte da hóstia.
Se caiu no cálice a hóstia inteira, o Celebrante não a retira, mas omite na continuação da Missa todas as cerimônias que devia fazer com ela. Toma juntamente o Corpo e o Sangue de Jesus, dizendo: “O Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo me guardem para a vida eterna”.
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LISA JOHNSTON | lisa@aeternus.com  lisajohnston@archstl.org  His Eminence Raymond Cardinal Leo Burke | Prefect of the Apostolic Signatura | Archbishop Emeritus of St. Louis in front of the shrine to the Sacred Heart of Jesus in the Cathedral Basilica of SCardeal Burke mantém os dedos indicadores e polegares junto durante o Cânonem Missa celebrada nos EUA em agosto de 2013(Copyright Lisa Johnston)
10. Num frio intenso, o vinho consagrado se congela
O Celebrante cerca o cálice de panos quentes ou, se for preciso, mergulha-o com cuidado num vaso com água quente, junto do altar, até a Espécie se liquefazer novamente.
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11. Alguma gota do Preciosíssimo Sangue cai
Se caiu no pavimento ou num lugar de madeira, o Celebrante recolhe-a, se possível, com a língua, senão com um pano de linho; em seguida, raspa a madeira, deixa enxugar as raspas e o pano e queima tudo e se desfaz da cinza dignamente, bem como purifica assim o instrumento com o qual se serviu para raspar.
Se caiu na pedra do altar ou na patena ou no pé do cálice, recolhe-a como dito anteriormente, lava esse lugar e se desfaz dignamente da água de purificação.
Se caiu no corporal, nas toalhas, nos paramentos ou no tapete, lava por três vezes o dito lugar e se desfaz dignamente da água de purificação.
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12. Todo o vinho consagrado se derrama
Se sobraram apenas algumas gotas no cálice, toma estas na Comunhão e, quanto à parte derramada, procede como nos números anteriores sobre isto.
Se não ficou nada no cálice, prepara, oferece e consagra um novo vinho com água.
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13. O Celebrante vomita todas as Espécies que comungou
Se recebê-las de novo causaria repugnância, deve retirá-las e pô-las num vaso no Sacrário até ficarem corrompidas, desfazendo-se dignamente delas depois.
Se, por não se distinguirem as Espécies, elas não possam ser novamente comungadas pelo Celebrante, este embebe o vômito em pano de linho e o queima e se desfaz da cinza.
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14. Uma hóstia ou fragmento cai
Se foi no chão, recolhe-se com reverência, lava-se o lugar, raspa-se e destas se desfaz dignamente.
Se foi numa toalha ou em qualquer outro pano, lava-se o lugar com todo o cuidado e se desfaz dignamente da água de purificação.
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15. Encontra-se uma hóstia sobre o altar, na patena ou num vaso
Se há dúvida se foi consagrada, guarda-se no sacrário, mas não no cibório, para ser consumida na Missa depois da Comunhão do cálice.
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A solução destes casos inspirará ao Celebrante como ele poderá resolver qualquer outro imprevisto que possa acontecer, sempre tendo como regra a prudência e o bom senso, com a reverência devida a tão augusto Mistério.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA: DO SÍMBOLO À REALIDADE

Discurso do cardeal Cañizares na Universidade da Santa Cruz de Roma
 
ROMA, terça-feira, 6 de março de 2012 (ZENIT.org)- Reproduzimos o discurso do cardeal Antonio Cañizares, feito ontem (5), durante a apresentação do livro A concelebração eucarística - Do símbolo à realidade, de dom Guillaume Derville, na Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma.

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“Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou até um monte alto, onde se transfigurou diante deles. Suas vestes se tornaram extraordinariamente brancas, a ponto de ninguém na terra podê-las deixar com tal brancura. E eis que apareceram Elias e Moisés, que conversavam com Jesus. Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: Mestre, como estamos bem aqui! Façamos três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias” (Mc 9, 2-5).
 
Ontem, segundo domingo da quaresma, a liturgia proclamava as palavras que acabo de ler. Palavras que podem servir de marco, de introdução, nesta apresentação do livro de dom Guillaume Derville, A concelebração eucarística - Do símbolo à realidade [tradução livre do título original em francês, ndr].
 
Quando evocamos o relato da transfiguração, brotam espontâneas em nossa mente as palavras glória, fulgor, beleza. São expressões que se aplicam diretamente à liturgia. Como Bento XVI nos lembra, a liturgia é intrinsecamente vinculada com a beleza. “A verdadeira beleza é o amor de Deus, que se revelou definitivamente no mistério pascal” (BENTO XVI, Sacramentum caritatis, 3).
 
A expressão “mistério pascal” sintetiza o núcleo essencial do processo da Redenção, é o cume da obra de Jesus. Por sua vez, a liturgia tem como conteúdo próprio essa “obra” de Jesus, porque nela se atualiza a obra da nossa Redenção. Daí que a liturgia, como parte do mistério pascal, seja uma “expressão eminente da glória de Deus e, de certa forma, um aproximar-se do céu à terra. O memorial do sacrifício redentor carrega em si os traços daquele resplendor de Jesus, do qual Pedro, Tiago e João nos deram testemunho quando o Mestre quis se transfigurar diante deles, a caminho de Jerusalém (cf. Mc 9,2). A beleza, portanto, não é um elemento decorativo da ação litúrgica; é um elemento constitutivo, já que é um atributo do próprio Deus e da sua revelação. Conscientes disso tudo, precisamos manter uma grande atenção para que a ação litúrgica resplandeça de acordo com a sua própria natureza” (ibidem).
 
Eu gostaria de ressaltar precisamente as últimas palavras do texto que acabo de citar, porque, na minha opinião, elas introduzem um tema delicado, que, ao mesmo tempo, é o centro do estudo de dom Derville. Vamos relê-las: “A beleza, portanto, não é um elemento decorativo da ação litúrgica; é um elemento constitutivo, já que é um atributo do próprio Deus e da sua revelação. Conscientes disso tudo, precisamos manter uma grande atenção para que a ação litúrgica resplandeça de acordo com a sua própria natureza”.
 
Isto quer dizer que a liturgia, e, dentro dela, a concelebração, será bela quando for verdadeira e autêntica, quando nela resplandecer a sua própria natureza. Este é contexto da questão colocada pelo Romano Pontífice diante das grandes concelebrações: “Para mim”, diz o papa, “permanece um problema, porque a comunhão concreta na celebração é fundamental; por isso, eu acredito que ainda não se encontramos realmente a resposta definitiva. Também suscitei esta pergunta no sínodo passado, mas a resposta não foi encontrada. Fiz ainda com que levantassem outra questão sobre a concelebração massiva, porque, por exemplo, se mil sacerdotes concelebram, não se sabe se ainda fica mantida a estrutura que o Senhor quis” (BENTO XVI, Encontro com os sacerdotes da diocese de Roma, 7 de fevereiro de 2008).
 
Trata-se precisamente de manter “a estrutura que o Senhor quis”, porque a liturgia é um dom de Deus. Não é fabricada por nós, homens. Não está à nossa disposição. Aliás, “com o mandamento ‘Fazei isto em memória de mim’ (cf. Lc 22,19; 1 Co 11,25), ele nos pede corresponder ao seu dom e representá-lo sacramentalmente. O Senhor expressa com estas palavras, por dizê-lo assim, a esperança de que a sua Igreja, nascida do seu sacrifício, acolha este dom, desenvolvendo sob a luz do Espírito Santo a forma litúrgica do sacramento” (BENTO XVI, Sacramentum caritatis, 11).
 
Por este motivo, “devemos aprender a compreender a estrutura da liturgia e por que ela é articulada assim. A liturgia se desenvolveu ao longo de dois milênios e, mesmo depois da reforma, não é algo elaborado apenas por alguns liturgistas. Ela é a continuação de um desenvolvimento permanente da adoração e do anúncio. Assim, para sintonizá-la bem, nós precisamos entender essa estrutura desenvolvida ao longo do tempo e entrar com a nossa mens na vox da Igreja” (BENTO XVI, Encontro com os sacerdotes da diocese de Albano, 31 de agosto de 2006).
 
O estudo completo de dom Derville se posiciona neste contexto. Ele nos ajuda a escutar o Concílio Vaticano II, cujos textos, de acordo com as palavras do beato João Paulo II, “não perdem o seu valor nem o seu esplendor. É necessário lê-los de maneira apropriada. Que eles sejam conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do magistério, dentro da tradição da Igreja” (JOÃO PAULO II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 6 de janeiro de 2001, 57).
 
O concílio decidiu ampliar a faculdade de concelebrar com base em dois princípios: esta forma de celebração da Santa Missa manifesta adequadamente a unidade do sacerdócio e, ao mesmo tempo, foi praticada até agora na Igreja tanto do Oriente quanto do Ocidente. Daí que a concelebração, como indica ainda a Sacrosanctum Concilium, se encontraria entre aqueles ritos que convinha restabelecer “de acordo com a primitiva norma dos santos padres” (CONCÍLIO VATICANO II, Sacrosanctum Concilium, 50).
 
Neste sentido, é importante entrarmos, ainda que brevemente, na história da concelebração. A panorâmica histórica de dom Derville, embora seja um breve resumo, como ele modestamente observa, nos basta para enxergarmos lacunas, que manifestam a ausência de dados definitivos sobre a celebração eucarística nos primeiros tempos da Igreja. Ao mesmo tempo, e sem se deixar levar por um ingênuo “arqueologismo”, ele oferece suficientes elementos para afirmarmos que a concelebração, segundo a genuína tradição da Igreja, tanto oriental quanto ocidental, é um rito extraordinário, solene e público, ordinariamente presidido pelo bispo ou por seu delegado, rodeado pelo seu presbyterium e por toda a comunidade dos fiéis. Por outro lado, a concelebração cotidiana, em uso entre os orientais, e na qual concelebram somente presbíteros, assim como a concelebração “privada” em substituição das missas celebradas individualmente ou more privato, não se encontram na tradição litúrgica latina.
 
Por outro lado, eu considero que o autor acerta plenamente ao abordar as razões de fundo que o concílio menciona para a extensão da concelebração. Uma ampliação da faculdade de concelebrar, que deveria ser moderada como descobrimos ao ler os textos conciliares. E é lógico que seja assim, já que a concelebração não tem por objetivo resolver problemas logísticos nem de organização, mas tornar presente o mistério pascal manifestando a unidade do sacerdócio que nasce da eucaristia. A beleza da concelebração, como dizíamos no começo, implica a sua celebração na verdade. E assim, a sua força significativa depende do respeito e da vivência das exigências que a própria concelebração comporta.
 
Quando o número de concelebrantes é muito alto, um aspecto essencial da concelebração fica velado. A quase impossibilidade de sincronizar as palavras e os gestos, que não são reservados ao celebrante principal, o afastamento do altar e das ofertas, a falta de ornamentos para alguns concelebrantes, a ausência de harmonia de cores e de formas, tudo isso pode obscurecer a manifestação da unidade do sacerdócio. E não podemos esquecer que é precisamente esta manifestação o que justificou a ampliação da faculdade de concelebrar.
 
No distante ano de 1965, o cardeal Lercaro, presidente do Consilium ad exsequendam constitutionem de sacra liturgia, enviou uma carta aos presidentes das Conferências Episcopais alertando sobre este perigo: considerar a concelebração como um modo de superar dificuldades práticas. E recordou o quanto podia ser oportuno promovê-la se ela favorecesse a piedade dos fiéis e dos sacerdotes (Notitiae 1, 1965, 257-264).
 
É este o último aspecto que eu gostaria de mencionar, muito brevemente. Como afirma Bento XVI, “recomendo aos sacerdotes a celebração diária da santa missa, mesmo sem participação de fiéis. Esta recomendação está em consonância com o valor objetivamente infinito de cada celebração eucarística. Além disso, é motivada pela sua singular eficácia espiritual, porque, se a santa missa é vivida com atenção e com fé, ela é formativa no sentido mais profundo da palavra, já que promove a configuração com Cristo e consolida o sacerdote na sua vocação” (BENTO XVI, Sacramentum caritatis, 80).
 
Para cada sacerdote, a celebração da santa missa é a razão da sua existência. Ela é, ela tem que ser, um encontro personalíssimo com o Senhor e com a sua obra redentora. Ao mesmo tempo, cada sacerdote, na celebração eucarística, é Cristo mesmo presente na Igreja como Cabeça do seu corpo, e age em nome de toda a Igreja “quando apresenta a oração da Igreja e quando oferece o sacrifício eucarístico” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1552). Diante da maravilha do dom eucarístico, que transforma e configura com Cristo, só nos cabe a atitude do estupor, da gratidão e da obediência.
 
O autor nos ajuda a captar com mais profundidade e clareza esta realidade admirável. Ao mesmo tempo, com a leitura deste livro, ele nos lembra e nos motiva a levar sempre em conta que, além da concelebração, existe a possibilidade da celebração individual e a participação na eucaristia como sacerdotes, mas sem concelebrar. Em cada circunstância, a questão é entrar na liturgia, procurar a opção que mais facilite o diálogo com o Senhor, respeitando a estrutura da própria liturgia. Encontramos aqui os limites de um direito a concelebrar ou não, que diz respeito também ao direito dos fiéis de participar em uma liturgia em que a ars celebrandi torna possível a sua actuosa participatio. Tocamos pontos que têm a ver com o que é justo ou não. O autor, aliás, faz referência também ao Código de Direito Canônico.
 
Não me resta mais que agradecer a dom Derville e às editoras Palabra e Wilson & Lafleur pelo livro que hoje tenho o prazer de apresentar. Acho que esta leitura oferece um exemplo da justa hermenêutica do Concílio Vaticano II. “Trata-se de ler as mudanças indicadas pelo concílio dentro da unidade que caracteriza o desenvolvimento histórico do rito, sem introduzir rupturas artificiosas” (BENTO XVI, Sacramentum caritatis, 3). E constitui uma ajuda e um estímulo para a meta que o Santo Padre recordou recentemente à Congregação que presido: “Dedique-se principalmente a dar um novo impulso à promoção da Sagrada Liturgia na Igreja, conforme a renovação querida pelo Concílio Vaticano II a partir da constituição Sacrosanctum Concilium” (BENTO XVI, Motu proprio Quaerit semper, 30 de agosto de 2011).
 
Tenho certeza de que este livro contribuirá para que o Ano da Fé “seja uma ocasião propícia para intensificar a celebração da fé na liturgia, de modo particular na Eucaristia” (BENTO XVI, Motu proprio Porta fide, 9).
 
Antonio Card. Cañizares Llovera
Prefeito da Congregação para o Culto Divino e para a Disciplina dos Sacramentos

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Cardeal Burke: a Liturgia "não é invenção humana, mas um presente de Deus para nós"

Em entrevista exclusiva a Zenit, o Cardeal Burke fala da importância de estudar a liturgia, da sua relação com a causa pró-vida e dos abusos litúrgicos.
 
 
Os abusos litúrgicos que se seguiram às reformas do Concílio Vaticano II estão "estreitamente relacionados" com uma grande porção de corrupção moral que existe no mundo hoje, diz o cardeal Raymond Leo Burke.
 
Em uma entrevista exclusiva a Zenit nos bastidores de "Sacra Liturgia 2013", uma grande conferência internacional sobre liturgia ocorrida em Roma no final de junho, o norte-americano mais influente do Vaticano diz que liturgias pobres também levaram a "uma leviandade na catequese" que tem "impactado" e deixado gerações de católicos mal preparadas para lidar com os desafios de hoje.
Em uma ampla discussão, o Cardeal Burke, que é Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, também explica a importância da lei litúrgica, como o Papa Francisco aborda a liturgia e porque a sagrada liturgia é vital para a nova evangelização.
 
ZENIT: Eminência, quais eram suas esperanças para essa conferência?
 
Cardeal Burke: Minha esperança para a conferência era um retorno ao ensinamento do Concílio Ecumênico Vaticano II sobre a sagrada liturgia. Além disso, um aprofundamento e apreciação da continuidade do ensinamento praticado na sagrada liturgia durante a história da Igreja, e que também se reflete no Concílio Ecumênico Vaticano II – algo que foi obscurecido depois do Concílio. Eu acredito que, em grande parte, isso foi alcançado.
 
ZENIT: Nós estamos saindo desse período agora?
 
Cardeal Burke: Sim, já o Papa Paulo VI, depois do Concílio, de uma maneira bem intensa, e depois João Paulo II e Papa Bento XVI, trabalharam diligentemente para restaurar a verdadeira natureza da sagrada liturgia como o presente de adoração dado por nós a Deus e que nós prestamos a Deus da maneira que Ele nos ensina a adorar. Então, não é invenção humana, mas um presente de Deus para nós.
 
ZENIT: Como é importante um bom entendimento da liturgia na Igreja de hoje. Como isso pode ajudar a evangelização?
 
Cardeal Burke: Para mim, é fundamental. É a mais importante área da catequese: entender a adoração devida a Deus. Os três primeiros mandamentos do Decálogo têm a ver com o relacionamento correto com Deus, especialmente no que diz respeito à adoração. É só quando nós entendemos nossa relação com Deus na oferta da adoração que nós também entendemos a ordem correta de todos os outros relacionamentos que nós temos. Como o Papa Bento XVI disse em seu belo magistério sobre a sagrada liturgia, o qual ele expressou com tanta frequência, consiste nessa conexão entre adoração e conduta correta, adoração e lei, adoração e disciplina.
 
ZENIT: Alguns argumentam que a liturgia tem mais a ver com estética, e não é tão importante quanto, vamos dizer, boas obras feitas com fé. Qual a sua visão desse argumento?
 
Cardeal Burke: É um erro de concepção comum. Primeiro, a liturgia tem a ver com Cristo. É Cristo vivo em Sua Igreja, Cristo glorioso vindo ao nosso meio e agindo em nós por meio dos sinais sacramentais, para nos dar o presente da vida eterna para nos salvarmos. É a fonte de qualquer obra verdadeiramente caridosa que realizamos, qualquer boa obra que fazemos. Então, a pessoa cujo coração é cheio de caridade e quer fazer boas obras vai, como Madre Teresa, oferecer seu primeiro propósito à adoração de Deus, a fim de que, quando ele for oferecer caridade para as pessoas pobres ou necessitadas, seja no nível de Deus, e não em um nível humano.
 
ZENIT: Alguns também dizem que estar preocupado com as normas litúrgicas é ser extremado legalista, que é um sufocamento do espírito. Como uma pessoa pode responder isso? Por que devemos nos preocupar com as normas litúrgicas?
 
Cardeal Burke: A lei litúrgica nos disciplina, a fim de que tenhamos a liberdade de adorar a Deus; de outro modo, somos sequestrados – nós somos as vítimas ou escravos ou das nossas ideias individuais, ideias relativas disto ou daquilo, ou da comunidade ou de qualquer outra coisa. Mas a lei litúrgica salvaguarda a objetividade da adoração divina e prepara esse espaço entre nós, essa liberdade de adorar a Deus como Ele quer, para que, então, estejamos certos de não estarmos adorando a nós mesmos ou, ao mesmo tempo, como diz Aquinate, falsificando de algum modo o culto divino.
 
ZENIT: Ela oferece uma espécie de modelo?
 
Cardeal Burke: Exatamente, é o que disciplina faz em todo aspecto de nossas vidas. A menos que sejamos disciplinados, então não somos livres.
 
ZENIT: Como um bispo diocesano nos Estados Unidos, qual o estado em que o senhor encontrou a liturgia nas paróquias das quais o senhor esteve encarregado de cuidar? Quais são, na sua visão, as prioridades para a renovação litúrgica na vida diocesana hoje?
 
Cardeal Burke: Eu encontrei, é claro, vários aspectos bonitos – em ambas as dioceses nas quais servi –, como um forte senso de participação da parte dos fiéis. O que eu também encontrei foram algumas sombras, como o Papa João Paulo II as chamava: a perda da fé na Eucaristia, a perda da devoção eucarística e certos abusos litúrgicos. E, como bispo diocesano, eu precisava enfrentá-los e eu fiz o melhor que pude. Mas, ao enfrentá-los, você sempre tenta ajudar tanto o padre quanto os fiéis a entenderem as razões profundas para a disciplina da Igreja, as razões pelas quais certo abuso não somente não ajuda no culto divino, como, de fato, o bloqueia e o corrompe.
 
ZENIT: É dito que amar a sagrada liturgia e ser pró-vida andam juntos, que aqueles que adoram corretamente são mais dados a querer trazer crianças para o mundo. Você poderia explicar por que é assim?
 
Cardeal Burke: É na sagrada liturgia, acima de tudo, e particularmente na Sagrada Eucaristia, que nós olhamos para o amor que Deus tem por cada vida humana sem exceção, sem limites, começando pelo primeiro momento da concepção, porque Cristo derramou sua vida, como ele disse, por todos os homens. E lembre-se que Ele nos ensina que tudo o que tivermos feito ao menor dos nossos irmãos, nós fazemos diretamente a Ele. Em outras palavras, Ele se identifica a si mesmo no sacrifício eucarístico com cada vida humana. Então, se por um lado, a Eucaristia inspira uma grande reverência, respeito e cuidado pela vida humana, ao mesmo tempo inspira uma alegria entre aqueles que são casados de procriar, de cooperar com Deus em trazer uma nova vida humana a este mundo.
 
ZENIT: "Sacra Liturgia" foi sobre celebração litúrgica, mas também formação. Qual a base de formação litúrgica que precisamos em nossas paróquias, dioceses e particularmente em nossos seminários?
 
Cardeal Burke: A primeira importante lição que precisa ser ensinada é a de que a sagrada liturgia é uma expressão do direito divino de receber de nós o culto que lhe é devido, e que emana de quem nós somos. Nós somos criaturas de Deus e, então, o culto divino, de um modo bem particular, expressa ao mesmo tempo a infinita majestade de Deus e também nossa dignidade como as únicas criaturas na terra capazes de prestar-lhe culto, de, em outras palavras, elevar a Ele nossas mentes e corações em louvor e adoração. Essa seria a primeira lição. Depois, estudar com atenção como os ritos litúrgicos se desenvolveram ao longo dos séculos e não ver a história da Igreja como uma espécie de corrupção daqueles ritos litúrgicos. Neste sentido, a Igreja, no decorrer do tempo, chegou a um entendimento cada vez mais profundo da sagrada liturgia e expressou isso de várias formas, através das vestes sagradas, dos vasos sagrados, da arquitetura sacra – até o cuidado com os paramentos utilizados na Santa Missa. Todas essas são expressões da realidade litúrgica e devem ser cuidadosamente estudadas, e, é claro, então, deve-se estudar a relação da liturgia com os outros aspectos das nossas vidas.
 
ZENIT: Você é conhecido por celebrar a Forma Extraordinária do Rito Romano. Por que o Papa Bento XVI tornou-a livremente disponível e que papel isso tem na Igreja do século XXI?
 
Cardeal Burke: O que o Papa Bento XVI viu e experimentou, também por aqueles que vinham a ele, e que estavam muito ligados ao que chamamos hoje de Forma Extraordinária – a Missa Tradicional – foi que, nas reformas introduzidas depois do Concílio, ocorreu uma incompreensão fundamental: nomeadamente, as reformas foram feitas com a ideia de que havia uma ruptura, de que o modo como a Missa era celebrada até o tempo do Concílio era, de alguma maneira, radicalmente defeituosa e que deveria haver uma mudança violenta, uma redução nos ritos litúrgicos e até na linguagem usada, em todos os aspectos. Então, a fim de restabelecer a continuidade, o Santo Padre deu ampla possibilidade para a celebração dos ritos sagrados tal como eram celebrados até 1962, e então expressou a esperança de que através destas duas formas do mesmo rito – é tudo o mesmo rito romano, pode ser diferente, mas é a mesma Missa, o mesmo Sacramento da Penitência e assim por diante – poderia haver um mútuo enriquecimento. E essa continuidade poderia ser mais perfeitamente expressa no que alguns chamaram de "reforma da reforma".
 
ZENIT: Papa Francisco é uma pessoa diferente de Bento XVI em vários aspectos, mas é difícil de acreditar que há diferenças substanciais entre eles na importância da sagrada liturgia. Existem algumas diferenças?
 
Cardeal Burke: Eu não vejo nada disso. O Santo Padre claramente não teve a oportunidade de ensinar com autoridade sobre a sagrada liturgia, mas nas coisas que ele disse sobre a sagrada liturgia eu vejo uma perfeita continuidade com o Papa Bento XVI e com sua disciplina, e é isso o que o Papa Francisco está fazendo.
 
ZENIT: Essa conferência está refletindo sobre os 50 anos desde a abertura do Concílio Vaticano II, e, há 50 anos, em dezembro, essa constituição sobre a sagrada liturgia foi promulgada. Você já mencionou como a renovação litúrgica não foi como o Concílio desejava, mas como você vê o progresso das coisas no futuro? O que você prevê, especialmente entre os jovens?
 
Cardeal Burke: Os jovens estão voltando atrás agora e estudando ambos os textos do Concílio Ecumênico Vaticano II com os seus sérios textos sobre teologia litúrgica que permanecem válidos ainda hoje. Eles estão estudando os ritos como eles eram celebrados, se esforçando para entender o significado e vários elementos do dito e há um grande entusiasmo e interesse nisso. Tudo isso, eu acredito, é direcionado a uma experiência mais intensa da presença de Deus conosco na sagrada liturgia. Esse elemento transcendente foi mais tristemente perdido quando a reforma após o Concílio foi, por assim dizer, enviesada e manipulada para outros propósitos – aquele senso de transcendência da ação de Cristo por meio dos sacramentos.
 
ZENIT: Isso reflete a perda do sagrado na sociedade como um todo?
 
Cardeal Burke: Reflete, de fato. Para mim, não há dúvidas de que os abusos na sagrada liturgia, a redução da sagrada liturgia a uma espécie de atividade humana, está estreitamente relacionada a muita corrupção moral e a uma leviandade na catequese que tem impactado e deixado gerações de católicos mal preparadas para lidar com os desafios do nosso tempo. Você pode ver isso em toda a gama da vida da Igreja.
 
ZENIT: O Papa Bento disse certa vez que as crises que vemos na sociedade hoje podem ser associadas aos problemas na liturgia.
 
Cardeal Burke: Sim, ele estava convencido disso e eu posso dizer que também estou. Era, é claro, mais importante que ele estivesse convencido disso, mas eu acredito que ele estava absolutamente correto.
 
Fonte: Zenit | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO - SANTA MISSA NA SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA

Praça da Liberdade, Castel Gandolfo
Quinta-feira 15 de Agosto de 2013
Queridos irmãos e irmãs!
No final da Constituição sobre a Igreja, o Concílio Vaticano II deixou-nos uma meditação belíssima sobre Maria Santíssima. Destaco apenas as expressões que se referem ao mistério que celebramos hoje. A primeira é esta: «A Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha de culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao Céu em corpo e alma e exaltada por Deus como Rainha» (Cost. dogm. Lumen gentium, 59). Em seguida, perto do final do documento, encontramos esta expressão: «A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que há de se consumar no século futuro, assim também na terra brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor» (ibid., 68). À luz deste belíssimo ícone de Nossa Mãe, podemos considerar a mensagem contida nas Leituras bíblicas que acabamos de ouvir. Podemos nos concentrar em três palavras-chave: luta, ressurreição e esperança.
A passagem do livro do Apocalipse apresenta a visão da luta entre a mulher e o dragão. A figura da mulher, que representa a Igreja, é por um lado gloriosa, triunfante, e por outro ainda se encontra em dificuldade. De fato, assim é a Igreja: se no Céu já está associada com a glória de seu Senhor, na história enfrenta constantemente as provações e desafios que supõe o conflito entre Deus e o maligno, o inimigo de todos os tempos. E, nesta luta que os discípulos de devem enfrentar – todos nós, todos os discípulos de Jesus devemos enfrentar esta luta -, Maria não os deixa sozinhos; a Mãe de Cristo e da Igreja está sempre conosco. Sempre caminha conosco, está conosco. Maria também, em certo sentido, compartilha esta dupla condição. Ela, é claro, entrou definitivamente na glória do Céu. Mas isso não significa que Ela esteja longe, que esteja separada de nós; na verdade, Maria nos acompanha, luta conosco, sustenta os cristãos no combate contra as forças do mal. A oração com Maria, especialmente o Terço – atenção: o Terço! Rezais o Terço todos os dias? Mas, não sei não… [os fiéis gritam: sim!] Sério? Bem, a oração com Maria, especialmente o Terço, também tem essa dimensão “agonística”, ou seja, de luta, uma oração que dá apoio na luta contra o maligno e seus aliados. O Terço também nos sustenta nesta batalha.
A segunda leitura fala da ressurreição. O apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, insiste no fato de que ser cristão significa acreditar que Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos. Toda a nossa fé se baseia nesta verdade fundamental, que não é uma ideia, mas um evento. E o mistério da Assunção de Maria em corpo e alma também está inteiramente inscrito na Ressurreição de Cristo. A humanidade da Mãe foi “atraída” pelo Filho na sua passagem através da morte. Jesus entrou de uma vez por todas na vida eterna com toda a sua humanidade, a qual ele recebera de Maria. Assim, Ela, a Mãe, que o seguira fielmente durante toda a sua vida, tinha-O seguido com o coração, entrou com Ele na vida eterna, que também chamamos de Céu, Paraiso, Casa do Pai.
Maria também conheceu o martírio da Cruz: o martírio do seu coração, o martírio da alma. Ela sofreu tanto, no seu coração, enquanto que Jesus sofria na Cruz. Ela viveu a Paixão do Filho até o fundo de sua alma. Ela estava totalmente unida com Ele na morte, e por isso foi-Lhe dado o dom da ressurreição. Cristo como primícias dos Ressuscitados, e Maria como primícias dos redimidos, a primeira daqueles “que pertencem a Cristo”. Ela é nossa Mãe, mas também podemos dizer que é nossa representante, nossa irmã, nossa primeira irmã; Ela é a primeira entre os redimidos que chegou ao Céu.
O Evangelho nos sugere uma terceira palavra: esperança. A esperança é a virtude daqueles que, experimentando o conflito, a luta diária entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, creem na Ressurreição de Cristo, na vitória do Amor. Escutamos o canto de Maria, o Magnificat: é o cântico da esperança, é o cântico do Povo de Deus no seu caminhar através da história. É o cântico de muitos santos e santas, alguns conhecidos, outros – muitíssimos – desconhecidos, mas bem conhecidos por Deus: mães, pais, catequistas, missionários, padres, freiras, jovens, e também crianças, avôs e avós; eles enfrentaram a luta da vida, levando no coração esperança dos pequenos e dos humildes. Maria diz: «A minha alma engrandece ao Senhor» – hoje a Igreja também canta a mesma coisa, e o canta em todas as partes do mundo. Este cântico é particularmente intenso, onde o Corpo de Cristo hoje está sofrendo a Paixão. Onde está a Cruz, para nós cristãos, há esperança, sempre. Se não há esperança, nós não somos cristãos. Por isso gosto de dizer: não deixeis que vos roubem a esperança. Que não vos roubeis a esperança, porque esta força é uma graça, um dom de Deus que nos leva para frente, olhando para o Céu. E Maria está sempre lá, próxima dessas comunidades, desses nossos irmãos, caminhando com eles, sofrendo com eles, e cantando com eles o Magnificat da esperança.
 Queridos irmãos e irmãs, unamo-nos com todo o coração a este cântico de paciência e de vitória, de luta e de alegria, que une a Igreja triunfante com a Igreja que peregrina, ou seja, nós; que une a terra com o Céu, que une a nossa história com a eternidade, para a qual caminhamos. Assim seja.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Ave amici,
 
O FRATRES continua companhando o caso dos Franciscanos da Imaculada. Eis novos comentários e reflexões que vai nos possibilitando uma melhor compreensão do que vem ocorrendo... Se é que isso é possível.
 
Ave Maria Immaculata.
 
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Dossiê Franciscanos da Imaculada (II) – Os Franciscanos da Imaculada e a Missa Tridentina: uma janela de reflexão para o entendimento do affaire atual.

Por Guilherme Chenta, guilhermechenta.com
 
Franciscanos da Imaculada
 
Na segunda-feira desta semana, 29/07, enquanto os católicos experimentavam a ressaca da JMJ, em cuja missa final, na praia de Copacabana, Hóstias consagradas, armazenadas em copos de plástico, foram distribuídas na mão para fiéis, explodiu para o mundo, por meio da pena do famoso vaticanista Sandro Magister, um recente affaire envolvendo os Franciscanos da Imaculada: esse instituto religioso, fundado nos anos 1970 por dois sacerdotes conventuais franciscanos e erigido como de direito pontifício em 1998 pelo Papa João Paulo II, está proibido de se valer da Missa na forma extraordinária do rito romano. Segundo o decreto da Congregação para os institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, cujo atual prefeito é o Cardeal João Braz de Aviz, brasileiro, a ordem partiu diretamente do Papa Francisco I.

Alguns, como o reconhecido e respeitado Professor Roberto de Mattei, já se manifestaram sobre essa medida e sobre suas possíveis consequências. Em minha “desimportância”, embora lamentando o que sucedeu aos Franciscanos da Imaculada, procuro, no momento, baseado no breve contato que tive com esses religiosos, em maio de 2011 em Roma, apenas abrir uma janela de reflexão para o entendimento do fato que é essa decisão da Santa Sé, deixando um juízo de valor sobre ela para uma segunda oportunidade, se for o caso.
Não só a lógica, mas também a experiência me ensinou, até porque já vi a mim e outras tantas pessoas enganadas, que, para entender um fato, é preciso antes buscar o máximo de informações a respeito dele em suas fontes primárias, e não em comentários e posicionamentos de observadores. No caso dos Franciscanos da Imaculada, temos publicados dois principais documentos: a Carta do Comissário Apostólico nomeado para dirigir os Franciscanos da Imaculada, Frei Fidenzio Volpi, OFM e o Decreto assinado pelo Cardeal Braz, que traz a polêmica proibição.
A carta, datada de 22 de julho de 2013, e que apresenta o decreto, é a seguinte:
Aos Irmãos e à Fraternidade da Congregação dos Freis Franciscanos da Imaculada, em todas as suas sedes.
Paz e Bem!
O Santo Padre o Papa Francisco confiou-me o delicado dever de Comissário Apostólico de vossa congregação. Anexo segue o decreto da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, datado de 11 de julho de 2013.
Embora eu reconheça as dificuldades deste dever, eu aceitei a responsabilidade, porque é meu desejo acompanhar-vos em uma jornada de renovada eclesialidade. A fim de fazer isso com a certeza de corresponder aos desejos do Magistério, eu não encontro meio melhor do que trazer à mente esta passagem de um recente discurso do Papa Francisco: a eclesialidade é “uma das dimensões constitutivas da vida consagrada, dimensão que deve ser constantemente retomada e aprofundada. A vossa vocação é um carisma fundamental para o caminho da Igreja, e não é possível que uma consagrada e um consagrado não «sintam» com a Igreja. Um «sentir» com a Igreja, que nos gerou no Batismo; um «sentir» com a Igreja que encontra uma sua expressão filial na fidelidade ao Magistério, na comunhão com os Pastores e com o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, sinal visível da unidade. O anúncio e o testemunho do Evangelho, para cada cristão, nunca são um ato isolado. Isto é importante, o anúncio e o testemunho do Evangelho para cada cristão nunca são um ato isolado ou de grupo, e nenhum evangelizador age, como recorda muito bem Paulo VI, «sob uma inspiração pessoal, mas em união com a missão da Igreja e em nome dela» (cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 80). [...] Senti vós a responsabilidade que tendes de cuidar da formação dos vossos Institutos na doutrina sadia da Igreja, no amor à Igreja e no espírito eclesial.” (Discurso do Papa Francisco às religiosas participantes na Assembleia Plenária da União Internacional das Superioras-gerais; quarta-feira, 8 de Maio de 2013)
Eu acredito que nada eu precise acrescentar a um tão claro e urgente pensamento do Papa Francisco, o qual concerne justamente a si o «sentir com a Igreja», haja vista que somente dessa maneira pode a Vida Consagrada corresponder ao que a Igreja espera dela e se tornar, deste modo, a Luz da Boa-Nova no mundo para os fiéis que precisam conhecer e seguir a verdade que Cristo nos revelou. No espírito daquela obediência pedida por Nosso Santo Padre Francisco na Carta a um Ministro, eu vos saúdo fraternalmente em Cristo.
Fr. Fidenzio Volpi
Comissário Apostólico
Anexo a essa carta, veio o decreto da Congregação, datado de 11 de julho de 2013, cujo texto é o seguinte:
CONGREGAÇÃO
PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA
E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA
PROT. N. 52741/2012
DECRETO
A Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, tendo em vista as considerações formuladas no Relatório apresentado pelo Rev. Mons. Vito Angelo Todisco na conclusão da Visita Apostólica, disposta com decreto de 05 de julho de 2012, a fim de tutelar e de promover a unidade interna dos Institutos religiosos e a comunhão fraterna, a adequada formação para a vida religiosa e consagrada, a organização das atividades apostólicas e a correta gestão dos bens temporais, considerou necessário nomear um Comissário Apostólico para a Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada com as consequências atribuídas pelo direito particular e universal ao Governo Geral do citado Instituto religioso.
Tendo em vista que a mencionada decisão de 03 julho de 2013 foi objeto de aprovação, na forma específica segundo a norma do art. 18 da Cost. Ap. Pastor Bonus, pelo Santo Padre Francisco, com o presente decreto nomeia-se:
o Reverendo Padre P. Fidenzio Volpi, O.F.M. Cap.
Comissário Apostólico
ad nutum Sanctae Sedis,
para toda a Comunidade e associados da Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada.
No desempenho de suas funções, o Rev. P. Volpi assumirá toda a competência que a normativa particular do Instituto e a normativa universal da Igreja atribuem ao Governo Geral.
Será também de sua faculdade valer-se, se lhe parecer oportuno, de colaboradores escolhidos a seu critério e por ele nomeados com prévio consentimento deste Dicastério, a quem poderá pedir o parecer quando o entender necessário.
O Rev. P. Volpi, a cada seis meses, deverá informar este Dicastério sobre sua atuação, enviando um detalhado relatório escrito sobre as decisões adotadas, os resultados alcançados e as iniciativas que entenda úteis para o bem do Instituto.
Finalmente, caberá ao Instituto dos Frades Franciscanos da Imaculada seja o reembolsa das despesas feitas pelo citado Comissário e pelos colaboradores por ele eventualmente nomeados, seja os honorários por seu serviço.
Acrescente-se ao supramencionado, ainda em 3 de julho, que o Santo Padre Francisco dispôs que todo religioso da Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada está obrigado a celebrar a liturgia segundo o rito ordinário e que, eventualmente, o uso da forma extraordinária (Vetus Ordo) deverá ser explicitamente autorizado pelas autoridades competentes para cada religioso e/ou comunidade que lhes solicitar.
Não obstante qualquer decisão contrária.
Dado pelo Vaticano, 11 de julho de 2013.
João Braz Card. de. Aviz
Prefeito
+ José Rodrìguez Carballo, O.F.M.
Arcebispo Secretário
Ao ler esses dois documentos, algumas informações me chamaram a atenção.
Da carta:
  1. O Padre Volpi teria a missão de acompanhar os Franciscanos da Imaculada em uma jornada de renovada eclesialidade.
  2. Essa renovada eclesialidade implicaria um maior “sentire cum Ecclesia” por parte dos Franciscanos, expressão latina, cunhada por Santo Inácio de Loyola no contexto de um mundo pós-reforma protestante, que significa literalmente “pensar com a Igreja”, isto é, estar em conformidade com o que a Igreja – a Santa Sé, o Papa – pensa sobre determinado assunto; o verbo latino “sentire” configura-se como um falso cognato em face do português falado contemporaneamente Brasil.
Do decreto:
  1. Em 05 de julho de 2012, portanto, enquanto ainda reinava Bento XVI, foi determinada, mediante decreto, uma Visita Apostólica para avaliar os Franciscanos da Imaculada.
  2. Essa visita efetivamente ocorreu e foi gerado um relatório, redigido por Mons. Vito Angelo Todisco.
  3. Esse relatório foi apresentado à Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.
  4. Com base nesse relatório, a Congregação, seguindo o estabelecido no art. 18 da Pastor Bonus, que determina que decisões de maior importância devem ser submetidas à aprovação do Sumo Pontífice, exarou o decreto em questão.
  5. Esse decreto fez do Padre Volpi, na prática, superior interino da congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada.
  6. Esse decreto proibiu os sacerdotes da congregação de celebrar a missa segundo o Vetus Ordo.
Essas informações me fizeram formular as seguintes perguntas:
  1. Em que os Franciscanos da Imaculada não “sentem” com a Igreja?
  2. Há relação disso com a proibição de seus sacerdotes, atualmente cerca de cento e trinta, utilizarem oVetus Ordo?
Por causa desses questionamentos, recordei-me de uma viagem que fiz a Roma em maio de 2011 com a finalidade principal de participar do III Congresso Summorum Pontificum, ocasião em que tomei conhecimento da existência dos Franciscanos da Imaculada. Lá, eu os vi cantar na Missa de abertura do evento para o público em geral, celebrada pelo Padre Vicenzo Nuara, OP, e fui informado de que se tratava de uma congregação que, sem abandonar a forma ordinária, aderira também à liturgia tridentina a partir da promulgação do Motu ProprioSummorum Pontificum, em vigor desde 14 de setembro de 2007.
O congresso seguiu… Houve oito intervenções naquele sábado, 14 de maio de 2011. Entre os eminentes palestrantes, Cardeal Antonio Cañizares Llovera, Dom Marc Aillet, Cardeal Kurt Koch, Dom Athanasius Schneider, Mons. Guido Pozzo, Padre Nicola Bux e o Professor Roberto de Mattei, surgiu uma desconhecida, uma mulher, a Irmã Maria Francesca, do ramo feminino dos Franciscanos da Imaculada, cuja preleção, tendo em vista o que eu esperava ouvir naquele ambiente em termos de críticas à Missa Nova, ultrapassou bastante minhas expectativas. Embora já cansado por estar assistindo à sétima intervenção, em italiano ainda por cima, não pude deixar de me espantar quando a ouvi citar o Breve Exame Crítico.
Pela manhã, o Cardeal Cañizares tinha sido enfático, muito enfático em ressaltar que não se poderia buscar a missa nova em detrimento da antiga, nem a antiga em detrimento da nova, como se os defensores de uma e de outra fizessem parte de um jogo de direita e esquerda. À tarde, a irmã Maria Francesca, que vive em clausura, pois pertence ao ramo contemplativo de sua congregação, pronunciava sua palestra por meio da boca de uma irmã do ramo ativo, A origem apostólico-patrística da “Missa Tridentina”, em que não só defendeu a tese de que a missa chamada de “tridentina” tem um núcleo central imutável, estabelecido pelo próprio Cristo, continuado e aperfeiçoado pelos Apóstolos e conservado intacto através de dois milênios de história, mas também citou, manifestando seu assentimento, a famosa afirmação do Breve Exame Crítico de que o “Novus Ordo Missae representa, tanto em seu todo como nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal qual formulada na sessão 22 do Concílio de Trento”.
A preleção da irmã Maria Francesca foi a única a ser aplaudida de pé. Encerrado o dia, corri até a irmã que fez a leitura e pedi para ficar com a cópia dela, o papel mesmo, mas ela, gentilmente, me enviou, dias depois, o documento por e-mail. Creio que sua leitura permite relacionar um pouco o “sentire cum Ecclesia” e a proibição da Missa tridentina entre os Franciscanos da Imaculada. A Ecclesia, no Motu Proprio Summorum Pontificum, por exemplo, “sentiu” que “o Missal Romano, promulgado por Paulo VI, deve ser considerado como a expressão ordinária da lei da oração (lex orandi) da Igreja Católica de Rito Romano, enquanto que o Missal Romano promulgado por São Pio V e publicado novamente pelo Beato João XXIII como a expressão extraordinária da lei da oração (lex orandi), e que, em razão de seu venerável e antigo uso, ele goze da devida honra; e mais: que estas duas expressões da lei da oração (lex orandi) da Igreja de maneira nenhuma levam a uma divisão na lei da oração (lex orandi) da Igreja, pois são dois usos do único Rito Romano (art. 1); porém, a conclusão da preleção da irmã Francesca, lida naquele dia, foi esta:
Conclusão
A Missa chamada de “tridentina” tem um núcleo central imutável, estabelecido pelo mesmo Cristo, continuado e aperfeiçoado pelos Apóstolos e conservado intacto através de dois milênios de história. A trama dos ritos e das cerimônias que a caracteriza foi se desenvolvendo pouco a pouco até atingir uma forma quase definitiva no final do século III, e, em seguida, de algum modo definitiva com São Gregório Magno. Não faltaram elementos secundários: a solicitude materna da Igreja não cessou de restaurar e de embelezar o rito, removendo de tanto em tanto aqueles resíduos que ameaçavam lhe ofuscar o primitivo esplendor.
Essa é a história da Missa até a promulgação do Novo Missal em 1969. Os eminentíssimos cardeais Bacci e Ottaviani, no Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae, apresentado ao Pontífice Paulo VI, antes da definitiva promulgação, não hesitaram em afirmar que o NOM “considerando-se os novos elementos amplamente suscetíveis a muitas interpretações diferentes que estão nela implícitos ou são tomados como certos, representa, tanto em seu conjunto, como nos detalhes, um impressionante afastamento da teologia católica da Missa, tal como foi formulada na sessão 22 do Concílio de Trento, o qual, fixando definitivamente os canoni do rito, erigiu uma barreira intransponível contra qualquer tipo de heresia que atacasse a integridade do Mistério”.
Em uma nota do “breve exame” em questão vem reportada uma citação do Padre Louis Boyer segundo o qual “O Cânone romano remonta, tal qual é hoje, a São Gregório Magno. Não há, tanto no Oriente, quanto no Ocidente, nenhuma oração eucarística que, permanecendo em uso até os nossos dias, possa vangloriar-se de tal antiguidade! Aos olhos não só dos ortodoxos, mas dos anglicanos e até mesmo dos protestantes que tem ainda, em alguma medida, o senso da tradição, lançá-lo ao mar equivaleria, por parte da Igreja Romana, a renegar toda pretensão de representar nunca mais a verdadeira Igreja Católica” (nota 1).
Romano Amerio, em seu inigualável Iota Unum, escreve que “Lendo as antigas liturgias, como o Sacramentário de Biasca, que é do século IX, e encontrando nele as fórmulas com as quais a Igreja Romana orou por mais de um milênio, se sente vivamente o dano sofrido pela Igreja espoliada do senso de antiquitas que, até mesmo segundo os Gentios, proxime accedit ad deos [mais se aproxima dos deuses], e não apenas do senso de imobilidade do divino no movimento do tempo”.
O Cardeal Ratzinger, já faz anos, denunciava que – com a reforma Litúrgica pós-conciliar – era substituída “uma Liturgia desenvolvida no tempo por uma Liturgia construída por eruditos”. “A promulgação da proibição do missal – afirmava ainda o Purpurado – que se tinha desenvolvido continuamente através de todos os séculos, desde os manuais para os sacramentos na Igreja antiga, causou na história da liturgia uma ruptura cujas consequências só podiam ser trágicas. [...] agora aconteceu mais: o edifico antigo foi derrubado e construiu-se outro. [...] o fato de ter sido apresentado como construção nova, em oposição ao crescimento histórico, e de o missal antigo ter sido proibido, de sorte que a liturgia não apareceu mais como resultado de um crescimento vivo, e sim como produto de um trabalho erudito e de competência jurídica, isso nos prejudicou sobremaneira. Pois agora se devia ter a impressão de que liturgia é algo que “se faz”; não algo preexistente, mas algo que depende de nossas decisões. E aí seria lógico, também, que não somente os eruditos nem somente uma autoridade central fossem reconhecidas como portadores da decisão, mas que, afinal, toda a “comunidade” quisesse adotar sua própria liturgia. Mas quando a liturgia é algo feito por nós mesmos, então ela deixa de nos oferecer o que deveria ser sua verdadeira dádiva: o encontro com o mistério, que não é produto nosso, mas a origem e a fonte de nossa vida.
Bernardo de Chartres dizia que “nós somos como anões que estão sobre os ombros dos gigantes, assim podemos ver mais longe que eles, não por causa de nossa estatura ou agudeza de nossa vista, mas porque, estando sobre seus ombros, estamos mais no alto que eles”. Deus nos dê a humildade de nos reconhecer anões, e a inteligência – se queremos ver longe – de permanecer sobre os ombros daqueles gigantes que são os nossos Pais na fé. Sem essa atitude da mente e do coração nos condenamos sozinhos a uma certa e talvez irreversível cegueira.
Recordo-me de ter raciocinado, não sei se com acerto, o seguinte naquele momento: é claro que ninguém aqui vai vociferar diretamente contra a Missa Nova, mas, das premissas estabelecidas por essa freira em sua intervenção, emerge logicamente uma conclusão que é um ataque violento à Missa Nova:
  • Premissa 1: a missa “tridentina” tem um núcleo central que remonta a Cristo;
  • Premissa 2: assim foi a história da Missa (da Missa, ponto final) até a promulgação do Novo Missal em 1969, sobre o qual os Cardeais Ottaviani e Bacci não hesitaram em afirmar que se afasta de maneira impressionante da teologia católica da Missa tal qual formulada na sessão 22 do Concílio de Trento… Formulação conciliar que, segundo a freira, está em harmonia com todo o passado…
  • Conclusão: a Missa Nova configura-se como uma ruptura em relação a todo desenvolvimento litúrgico anterior, e que remonta a Cristo!
Ora, até agora pelo menos, parece claro que a Igreja, a Santa Sé, em seus documentos oficiais, não “sente” assim.
Fica aí, portanto, uma nova janela de reflexão para o entendimento do fato que é o atual affaire envolvendo os Franciscanos da Imaculada. Trata-se apenas de uma janela, apenas do apontamento de uma hipótese. Creio que essa janela não é suficiente para contemplá-lo completamente, até porque, na busca da compreensão de um fato, a lógica e a experiência também me alertaram sobre a necessidade de ser parcimonioso em relação às conclusões que tiramos das informações de que dispomos, sob o risco de, arrastados por uma espiral de precipitações, não sermos mais capazes de reformar nossa opinião inicial, quando confrontados com novos dados; é preciso, portanto, aguardar mais informações para um melhor entendimento da questão. Nesse sentido, seria muito interessante ler um terceiro documento do affaire, o relatório do Mons. Todisco, que não veio a público ainda, e que provavelmente não virá.
 
Guilherme Chenta
São Paulo, 02 de agosto de 2013
 
P.S: quando solicitei o texto à irmã, ocorreu uma situação um tanto engraçada. Assim que o pedi, ela tomou papel e caneta e perguntou meu endereço de e-mail. Temendo, por uma série de motivos, ser atendido no dia de São Nunca, insisti em que ela me entregasse o papel mesmo. Ao que ela me respondeu que o que ela havia lido era um resumo e que ela iria me passar a versão completa. Confesso que saí um pouco decepcionado, mas, poucos dias depois, eis que me chegaram o estudo integral e o resumo. Assim que retornei, conforme disse à irmã, pus-me a traduzi-los com o intuito de publicá-los, porém acabei me envolvendo em sucessivos estudos e discussões que infelizmente me impediram de terminar a tarefa. (Estudos e discussões, aliás, que acabaram por mudar muito o curso de minha vida, mas isso não interessa agora). Seguem abaixo, portanto, os textos em italiano:
  1. Um para a palestra resumida.
  2. E outro para o estudo completo, com uma tradução minha, incompleta e não revisada, dele.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O SOFRIMENTO DOS FRANCISCANOS DA IMACULADA

Reproduzimos aqui algumas matérias, que pegou o mundo Católico Tradicional de surpresa, sobre o caso da "interdição" dos Franciscanos da Imaculada, onde o cardeal prefeito João Braz de Avis desautorou os superiores dos Franciscanos da Imaculada, confiando o governo dos Frades a um capuchinho, aparentemente, por oferecerem a S. Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano ao lado da Forma Ordinária. Seguiremos acompanhado...

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Por Roberto de Mattei | Tradução: Fratres in Unum.com - O “caso” dos Franciscanos da Imaculada apresenta-se como um episódio de extrema gravidade, destinado a ter consequências no seio da Igreja talvez não previstas por aqueles que o transformaram imprudentemente em ato.
A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada (conhecida como Congregação para os Religiosos) com seu decreto de 11 de julho de 2013, assinado pelo cardeal prefeito João Braz de Aviz e o arcebispo secretário José Rodriguez Carballo, OFM, desautorou os superiores dos Franciscanos da Imaculada, confiando o governo do Instituto a um “comissário apostólico”, o padre Fidenzio Volpi, capuchinho.
Para “blindar” o decreto, o cardeal João Braz de Aviz se muniu de uma aprovação “ex auditur” do Papa Francisco, que tira dos frades qualquer possibilidade de recurso à Signatura Apostólica. As razões dessa condenação, que tem sua origem em uma reclamação feita à Congregação para os Religiosos por um grupo de frades dissidentes, permanecem misteriosas. Desde o decreto da Congregação e da carta enviada aos franciscanos em 22 de julho pelo novo Comissário, as únicas acusações parecem ser as de um escasso “pensar com a Igreja” e de um apego excessivo ao Rito Romano antigo.
Na realidade, estamos diante de uma injustiça manifesta contra os Franciscanos da Imaculada. Este instituto religioso fundado pelos padres Stefano Maria Manelli e Gabriele Maria Pellettieri é um dos mais florescentes de que se ufana a Igreja, pelo número de vocações, a autenticidade da vida espiritual, a fidelidade à ortodoxia e às autoridades romanas. Na situação de anarquia litúrgica, teológica e moral em que nos encontramos hoje, os Franciscanos da Imaculada deveriam ser tomados como modelo de vida religiosa. O Papa se refere muitas vezes à necessidade de uma vida religiosa mais simples e sóbria.

Os Franciscanos da Imaculada se destacam por sua austeridade e pobreza evangélica, com as quais vivem, desde a sua fundação, seu carisma franciscano. Acontece, porém, que em nome do Papa, a Congregação para os Religiosos retira o governo do Instituto para transmiti-lo a uma minoria de frades rebeldes de orientação progressista, nos quais o novo Comissário se apoiará para “normalizar” o Instituto, ou para conduzi-lo ao desastre do qual até agora tinha escapado graças à sua fidelidade às leis eclesiásticas e ao Magistério.
Mas hoje o mal é recompensado e o bem castigado. Não surpreende que a empregar o punho de ferro no confronto com os Franciscanos da Imaculada esteja o mesmo Cardeal que auspicia compreensão e diálogo com as irmãs heréticas e cismáticas americanas. Aquelas religiosas pregam e praticam a teoria do gênero, e, portanto, deve-se dialogar com elas. Os Franciscanos da Imaculada pregam e praticam a castidade e a penitência e por isso não há possibilidade de entendimento com eles. Esta é a triste conclusão a que inevitavelmente chega um observador desapaixonado.
Uma das acusações é de serem muito apegados à Missa tradicional, mas a acusação é um pretexto, porque os Franciscanos da Imaculada são, como se costuma dizer, “bi-ritualistas”, ou seja, celebram a nova Missa e a antiga, conforme lhes é concedido pelas leis eclesiásticas em vigor. Colocados diante de uma ordem injusta, é de se supor que alguns dentre eles não desistirão de celebrar a Missa tradicional; e farão bem em resistir neste ponto, porque não será um gesto de rebeldia, mas de obediência. Os indultos e privilégios em favor da missa tradicional não foram revogados e possuem uma força legal superior ao decreto de uma congregação, e até mesmo das intenções do Papa, se não expressas num ato legal claro.
O cardeal Braz de Aviz parece ignorar a existência do motu proprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, de seu decreto de aplicação, a Instrução Universae Ecclesiae de 30 de Abril de 2011, e da Comissão Ecclesia Dei, ligada à Congregação para a Doutrina da Fé, das quais a Congregação para os Religiosos invade hoje o campo.
Qual é a intenção da suprema autoridade da Igreja? Suprimir a Ecclesia Dei e revogar o motu proprio de Bento XVI? Se for, que o diga explicitamente, para que possamos tirar as consequências. E se não for, por que fazer um decreto desnecessariamente provocativo contra o mundo católico ligado à Tradição da Igreja? Este mundo está numa fase de grande expansão, especialmente entre os jovens, e esta talvez seja a principal razão da hostilidade de que ele é hoje objeto.
Por fim, o decreto constitui um abuso de poder não apenas em relação aos Franciscanos da Imaculada e àqueles impropriamente definidos de tradicionalistas, mas a todos os católicos. Na verdade, é um sintoma alarmante da perda da segurança jurídica que está ocorrendo hoje no seio da Igreja. De fato, a Igreja é uma sociedade visível na qual há o “poder do direito e da lei” (Pio XII, Discurso Dans notre souhait, de 15 de Julho 1950). A lei é o que define o certo e o errado, e, como explicam os canonistas, “o poder da Igreja deve ser justo, para o que é necessário que parta da própria Igreja, que determina as finalidades e os limites da atividade da Hierarquia. Nem todo ato dos Pastores sagrados, pelo fato de provirem deles, é justo” (Carlos J. Errazuriz, Direito e justiça na Igreja, Giuffre, Milão 2008, p. 157).
Quando diminui a segurança jurídica, prevalece o arbítrio e a vontade do mais forte. Muitas vezes isso acontece na sociedade, e pode ocorrer na Igreja quando nesta a dimensão humana prevalece sobre a sobrenatural. Mas se não há segurança jurídica, não há nenhuma regra de comportamento segura. Tudo é deixado ao arbítrio do indivíduo ou de grupos de poder, e à força com a qual esses lobbies são capazes de impor a sua vontade. A força, separada da lei, torna-se prepotência e arrogância.
A Igreja, Corpo Místico de Cristo, é uma instituição legal baseada numa lei divina, da qual os homens da Igreja são os depositários, e não os criadores ou proprietários. A Igreja não é um “soviet”, mas uma construção fundada por Jesus Cristo, na qual o poder do Papa e dos bispos deve ser exercido de acordo com as leis e as formas tradicionais, todas enraizadas na Revelação divina. Hoje se fala de uma Igreja mais democrática e igualitária, mas o poder vem sendo exercido muitas vezes de modo personalista, em desprezo a leis e costumes milenares. Quando existem as leis universais da Igreja, como a bula de São Pio V Quo primum (1570) e o motu proprio de Bento XVI Summorum Pontificum, para mudá-los é necessário um ato legal equivalente. Uma lei anterior não pode ser revogada senão com um ato explicitamente abrogatório de igual porte.
Para defender a justiça e a verdade no interior da Igreja, confiamos na voz dos juristas, entre os quais estão alguns eminentes cardeais que ordenaram de acordo com o rito “extraordinário” os Frades Franciscanos da Imaculada, cuja vida exemplar e zelo apostólico eles conhecem. Apelamos especialmente ao Papa Francisco, para que queira retirar as medidas contra os Franciscanos da Imaculada e contra seu uso legítimo do Rito Romano antigo.
Qualquer decisão que seja tomada, não podemos esconder o fato de que a hora em que vive hoje a Igreja é dramática. Novas tempestades se adensam no horizonte e essas tempestades certamente não são suscitadas nem pelos Frades, nem pelas Irmãs Franciscanas da Imaculada. O amor à Igreja Católica Apostólica Romana sempre nos moveu e nos move a tomar sua defesa. Nossa Senhora, Virgo Fidelis, sugerirá à consciência de todos nesta difícil conjuntura, o caminho certo a seguir.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A Carta de Paix Liturgique - À CONVERSA COM MONS. SAMPLE


O congresso internacional «Sacra Liturgia 2013», que teve lugar de 25 a 28 de Junho, em Roma, deu a oportunidade a dois cardeais e a três bispos de poderem contribuir para o debate sobre a liturgia e sobre a reforma litúrgica, juntamente com sacerdotes, religiosos e leigos. Um deles era Mons. Alexander Sample, antigo bispo de Marquette, no Michigan, e agora bispo de Portland, no Oregon. Além de vir participar na conferência pensada pelo bispo de Toulon, Mons. Rey, a verdade é que Mons. Sample viajou até Roma para receber o pálio das mãos do Papa Francisco, no dia da solenidade dos apóstolos São Pedro e São Paulo. A sua ampla experiência de pastor permitiu-lhe fazer uma intervenção esclarecedora e muito apreciada sobre: “O bispo: regente, promotor e guardião da vida litúrgica da diocese”.


I – RESUMO DA INTERVENÇÃO DE MONS. SAMPLE NO CONGRESSO “SACRA LITURGIA”


O objectivo da conferência de Mons. Sample era o de proporcionar uma reflexão sobre a conduta de um bispo na própria diocese à face dos textos do Concílio Vaticano II que definem o seu papel e, em particular, a consideração das três funções que lhe são próprias: "munus docendi, munus liturgicum, munus regendi" (a função de ensinar, o culto divino e o governo pastoral).

Nos documentos conciliares, o bispo é chamado de “sumo sacerdote” e “sumo pastor das ovelhas” que lhe estão confiadas. Mesmo se a sua função relativa à liturgia não é alvo de tratamento explícito, de maneira implícita sublinha-se o quanto a liturgia do bispo é, e deve ser, exemplar, de modo especial, a que ele celebra na sua Catedral. Uma tal liturgia deverá ser exemplar para os sacerdotes e para os fiéis da diocese, e essa prática há-de ser depois imitada nas paróquias, na fidelidade às normas litúrgicas e com a consciência da beleza que deve acompanhar a adoração divina.

Mons. Sample citou então o n. 26 de Lumen Gentium a fim de ilustrar que é ao bispo que “foi confiado o encargo de apresentar à Majestade divina o culto e a religião cristã, de a regular segundo os preceitos do Senhor e as leis da Igreja, às quais lhe caberá juntar, no âmbito da sua diocese e segundo o seu juízo particular, determinações ulteriores”. O decreto Christus Dominus, relativo à missão pastoral dos bispos no seio da Igreja recorda que “Cristo deu aos Apóstolos e aos seus sucessores o mandato e o poder de ensinar todas as gentes, de santificar os homens na verdade e de guiar o rebanho”.

O cânone 392 do Código de Direito Canónico também afirma de modo igualmente claro que o bispo, por isso que deve “preservar a unidade da Igreja universal”, é chamado a vigiar para que “não se introduzam abusos na disciplina eclesiástica, particularmente no concernente ao ministério da palavra, à celebração dos sacramentos e sacramentais, ao culto de Deus e dos Santos, e ainda à administração dos bens”. Além disso, é também uma sua responsabilidade velar para que os sacerdotes, diáconos e leigos possam penetrar cada vez mais profundamente no significado dos ritos e textos litúrgicos. A dignidade e a beleza dos santuários, assim como a música e a arte sacra, deverão também ajudá-lo na prossecução deste objectivo.

Mons. Sample estima que uma das funções mais importantes dos bispos é aquela que vem delineada em Apostolorum Successores, o directório para o ministério pastoral dos bispos (§142): “O Bispo deve considerar como seu ofício próprio antes de mais o de ser o responsável pelo culto divino e, em vista desta função, exercerá as outras tarefas de mestre e de pastor. De facto, a função santificadora, embora estreitamente unida pela sua própria natureza aos ministérios de magistério e de governo, distingue-se enquanto especificamente exercida na pessoa de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, e constitui o ponto culminante e a fonte da vida cristã.” O bispo age in persona Christi capitis, e assim em particular na liturgia.

Depois desta convincente exposição sobre a missão e a responsabilidade episcopais em matéria de liturgia, o arcebispo recorreu à sua experiência de pastor da diocese de Marquette (Michigan, Estados Unidos) para ilustrar como se pode passar à prática.

De acordo com o que prevêem textos do Concílio, o bispo deverá santificar a sua diocese (munus liturgicum ou sanctificandi), nomeadamente através da liturgia, e fá-lo-á dando-lhe uma certa orientação. A sua liturgia deverá ensinar com o exemplo. Demasiados abusos litúrgicos são justificados dizendo: “Vimos isso na Catedral! As liturgias terra-a-terra, infelizmente, são muito mais frequentes do que gostaríamos de admitir. Em Portland, hoje, como em Marquette, ontem, o que Mons. Sample deseja é tão simplesmente que os fiéis e os sacerdotes sigam o exemplo que ele dá e possam proclamar, enchendo-o de alegria: “É assim que faz o bispo.”

O segundo aspecto do ministério do bispo é o seu dever de ensinar (munus docendi). Aliás, ele próprio vê-se a si mesmo como o guia da renovação litúrgica na sua diocese, já que, segundo nos diz, é preciso explicar de novo aos sacerdotes e aos leigos as normas litúrgicas: “Estou cada vez mais convencido de que, hoje em dia, uma grande parte dos problemas relativos à celebração da liturgia, e sobretudo no que diz respeito à Santa Missa, vem da ausência profunda e generalizada de uma compreensão da natureza e do significado interior da própria liturgia.” Para dar remédio a isso, o bispo deverá utilizar todos os meios que estejam à sua disposição, seja pelo conselho seja através de publicações diocesanas e, nomeadamente, usando o site internet da diocese. É evidente que não se pode esperar uma mudança da noite para o dia. Deve-se contar com anos, senão mesmo decénios, de uma boa catequese.

Por fim, o bispo exerce também o munus regendi, a direcção do rebanho. Para lutar contra os abusos, deve ele próprio evitar infringir as leis litúrgicas. Cumpre-lhe a responsabilidade de se certificar, com paciência e compreensão, que as normas litúrgicas estão a ser respeitadas pelos seus sacerdotes. “Estou convencido de que aquilo que poderíamos chamar de ‘boa liturgia’ começa pela fidelidade inabalável às normas litúrgicas estabelecidas pela autoridade competente”, asseverou. Para garantir esta fidelidade, deve-se corrigir os abusos litúrgicos, e se necessário, uma e outra vez. Frequentemente, não se trata de uma desobediência voluntária por parte dos sacerdotes ou dos fiéis, mas de uma má compreensão. Mons. Sample advoga ainda à publicação por parte dos bispos preocupados com a liturgia, de uma carta pastoral sobre o tema, reforçada por um apelo a uma melhor catequese litúrgica e à elaboração de directivas práticas (por exemplo, quanto à música nas igrejas).

O último ponto que Mons. Sample quis sublinhar, e que não constava do texto fornecido previamente aos tradutores, foi o facto de ver na forma extraordinária uma contramedida eficaz em face das más práticas litúrgicas. Segundo ele, a “reforma da reforma” desejada por Bento XVI passa por um maior conhecimento e por conseguinte, uma mais ampla difusão, da antiga forma do rito romano. Se a forma ordinária é chamada a reorientar-se com base nos documentos conciliares, ela precisará de uma bússola e de um modelo. Ora, segundo o arcebispo de Portland, este modelo é a liturgia tradicional. Na opinião dele, os bispos que querem contribuir para a renovação da Igreja deverão familiarizar-se com a forma extraordinária do rito romano.

Em Marquette, Mons. Sample tinha permitido a forma extraordinária, e ao fazê-lo deu resposta às aspirações das suas ovelhas. Acima de tudo, como pastor, e antes mesmo de fixar os lugares de culto para a forma extraordinária, reivindicou o direito de a celebrar ele mesmo na sua Catedral.


Mons. Sample em Roma, no congresso "Sacra Liturgia"


II – ENCONTRO EXCLUSIVO COM MONS. SAMPLE

Por ocasião da sua vinda a Roma para o congresso, Mons. Sample teve a gentileza de nos conceder alguns minutos para uma breve entrevista.


1) Quando se olha para o catolicismo americano a partir da Europa, fica-se com a sensação de que a questão litúrgica não assume aí um aspecto ideológico. É assim?

Mons. Sample
: Eu não vivo aqui, na Europa, mas a julgar pelas informações que consegui recolher junto dos participantes do congresso, de facto, fico com a impressão de que há uma maior abertura à forma extraordinária do rito romano nos Estados Unidos. Pode ser que muitos não a queiram ou não tenham gosto por ela, mas não fazem disso um “casus belli” (“caso de guerra”, n.d.r.) e aceitam-na, mesmo que não fiquem contentes. Tenho a impressão de que as pessoas que aqui pude encontrar deparam com mais dificuldades nas suas próprias dioceses para conseguirem a forma extraordinária.


2) Crê que o Motu Proprio Summorum Pontificum foi aplicado na sua anterior diocese (Marquette) da maneira que Bento XVI o desejava?

Mons. Sample
: Diria que sim. Quando pediram a sua aplicação, o bispo (que era eu) tratou de que as pessoas fossem atendidas. Nessa diocese rural, chegámos a ter três paróquias que introduziram a forma extraordinária na sua liturgia. E isso veio de um autêntica procura por parte da população. No momento da publicação do Motu Proprio, o Santo Padre convidou os bispos a serem mais generosos com os fiéis. Foi o que tentei fazer no meu cargo anterior. Hoje, em Portland, onde cheguei apenas no início do ano, ainda tenho de tentar saber qual é a procura dos fieis.


3) Na opinião de V. Ex.a, como é que se pode alcançar a paz litúrgica?

Mons. Sample
: Ora aí está a questão! De facto, fica-se muitas vezes com a impressão de que a liturgia é um campo de batalhas, não acha? Se penso no que vivi, indo mesmo até aos meus anos de seminário, a experiência de quase toda a minha vida sacerdotal é a de que aquilo que mais nos devia unir é precisamente o que mais nos divide. É realmente muito triste! Creio que esse facto é um grande peso no coração de Nosso Senhor, para empregar um termo antropológico, isto é, o facto de ver que o dom de Si próprio, que nos deixou na Eucaristia, se tornou em motivo de divisão entre os seus discípulos, mesmo no seio da Igreja Católica.

A paz litúrgica está em se aceitar tudo o que a Igreja nos deu, em todas as suas formas. Mesmo em se tratando da forma extraordinária, devemos aceitá-lo. Como nos explica o Santo Padre no Motu Proprio e na Instrução Universae Ecclesiae, a forma ordinária continua a ser ordinária. Quando formos capazes de receber tudo o que a Igreja nos oferece e de o aceitar tal e qual, então sim, poderemos aproximar-nos da paz litúrgica. Já se ficarmos demasiado apegados às nossas preferências e aos nossos gostos, nesse caso estaremos a abandonar a recta via

Fonte: Paix Liturgique