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quarta-feira, 25 de junho de 2014

JOÃO XXIII: UM NOVO SANTO PROTECTOR PARA O MISSAL TRADICIONAL

 
Ave Fratres!
Segue uma excelente carta, como sempre, da Paix Liturgique.
Sugiro que leiam até o final, pois a Paix termina pedindo um grande favor, para ela e sobretudo para Sagrada Liturgia.
 
Ad Iesum per Mariam.
 

 
 
Carta 50

O Papa Francisco acabou de canonizar, no dia 27 de Abril passado, não apenas o Papa João Paulo II, mas também o Papa João XXIII. São bem conhecidos os debates que se levantaram a propósito desta canonização, sabendo que João XXIII foi o Papa que convocou o concílio cujos frutos, volvidos que são cinquenta anos, se mostram bem diferentes de quanto à época fora vaticinado. Tendo a Paix Liturgique, como o próprio nome indica, uma vocação de natureza essencialmente litúrgica – e nem sequer por uma via irenista, pois do que se trata é de trabalhar em prol da missa tradicional e de que a sua difusão seja o mais ampla possível, como coluna vertebral de uma renovação da Igreja e da sua propagação missionária –, não entraremos aqui no debate de tipo teológico, contentando-nos em manifestar a nossa alegria pela canonização do Papa ao qual devemos a última edição do missal que nos acompanha ao longo de todo o ano litúrgico.


I – JOÃO XXIII, HERDEIRO DE UMA VISÃO HIPERTRADICIONAL DA FÉ

“A memória de João XXIII é um verdadeiro desafio”, observava o jornalista francês Jean Mercier no “La Vie” de 22 de Abril de 2014. “Qualificar João XXIII como um Papa ‘progressista’ mostra uma simplificação para lá do admissível”, continuava. “Nascido em 1881 no seio de uma família pobre da região de Bérgamo, no Norte de Itália, Ângelo Roncalli é herdeiro de uma visão hipertradicional da fé, que conservará até ao fim da vida. O seu modelo era o próprio São Pio X, bem conhecido pela sua virulência antimodernista. No seu diário, Roncalli inclui desabafos bem na linha do Concílio de Trento, exaltando as mortificações e os sacrifícios. Nas vésperas da sua morte, oferece-se a Deus seguindo uma concepção expiatória muito habitual nessa época. ‘O altar reclama uma vítima, eis-me aqui, pronto!’ Podemos até divertir-nos a imaginar quais não teriam sido as suas reacções ao assistir a como se foi pondo em causa da autoridade no seio da Igreja a partir de 1968, ou a algumas experimentações vanguardistas dos anos 70 em matéria de catequese e de liturgia…”

No jornal diário italiano “Libero”, Andrea Morigi vai ainda mais longe do que Jean Mercier e consagra um inteiro artigo a “esse João XXIII que é do agrado dos tradicionalistas”, onde relata um episódio da vida deste Papa, tirado do seu diário e que teve lugar quando o mesmo era núncio em Paris: “Assisti à Missa de São Severino. Apanhei-me do frio. A música melhorou muito, mas a Missa voltada para o povo é uma grave entorse às leis litúrgicas. O Cânone é lido em voz alta e não em segredo como vem prescrito no Missal. (…) Fiz notar ao pároco a gravidade deste abuso e creio que não o fará mais. Oh, quantas dificuldades não tenho com estes cabeças-quentes um tanto espalha-brasas!” Se reparamos que este incidente data de 1951, percebemos logo que há aí matéria para uma reflexão sobre a qualidade da formação litúrgica antes do concílio e sobre o estado de espírito do futuro Papa quanto a um eventual “aggiornamento” litúrgico.

À semelhança do Papa Francisco, também João XXIII usufruiu junto dos “mass media”, desde o dia em que foi eleito, de uma imagem de Papa “bom” disposto a fazer entrar na Igreja o vento fresco da modernidade, ainda que, de fato, o Papa Roncalli fosse um homem “muito conservador no seu íntimo”, para usar as palavras do Cardeal Sílvio Odi, que fora seu colaborador na Nunciatura de Paris. No seu artigo, Andrea Morigi lembra que em 1959, João XXIII fez questão de celebrar a Semana Santa segundo os livros litúrgicos anteriores à reforma permitida pelo seu predecessor, Pio XII. Sabendo-se que esta reforma já trazia a assinatura do futuro autor da reforma de Paulo VI, Annibale Bugnini, bem nos podemos interrogar, como o faz Jean Mercier, sobre o que não teria pensado João XXIII acerca da liturgia dos anos 70!

Numa outra entrada do seu diário, João XXIII mostrava não compreender o apagamento do sacerdote que resultava da experiência dos padres-operários: foi ele, e não Pio XII, quem decidiu pôr fim a esta experiência em Julho de 1959. De igual modo, foi ele, e não Pio XII, quem condenou as nebulosas divagações do Pe. Teilhard de Chardin, com o seu Monitum de 30 de Junho de 1962. Foi ainda ele quem, aproveitando o pretexto dos 70 anos da Rerum Novarum, veio lembrar os fundamentos da doutrina social da Igreja na Encíclica “Mater et Magistra”.

Juntamente com os excelentes latinistas que o rodeavam, como Mons. Felici ou o seu amigo, o Cardeal António Bacci, esforçou-se também por uma restauração do latim enquanto língua própria da Igreja, em particular desse magnífico latim forjado na Antiguidade tardia que depois se tornou a língua litúrgica da Igreja de Roma, distinguindo-se do latim ciceroniano. Foi assim que assinou com algum clamor a Constituição “Veterum sapientia”, de 22 de Fevereiro de 1962, dia da Cátedra de São Pedro. E não o fez nos aposentos papais, como é hábito, mas sobre o próprio túmulo de São Pedro, na presença de todos os cardeais, arcebispos e bispos da cidade de Roma, com toda aquela solenidade que geralmente rodeia a promulgação de um dogma. Esta Constituição lembrava o lugar ocupado pelo latim, a sua dignidade, o seu carácter sagrado no uso que adquiriu na Igreja de Roma. Aí, João XXIII chegou inclusive a decidir que se devia usar de novo o latim no ensino eclesiástico, não apenas nas Universidades romanas, mas também nos cursos ministrados em todos os Seminários do mundo. Uma medida que, infelizmente, veio a ser levada pelos ares pela tempestade conciliar e cuja não aplicação faz sentir dramaticamente os seus efeitos nos dias de hoje.




II – O PAPA DO MISSAL “SUMMORUM PONTIFICUM

Acima de tudo, coube a João XXIII ordenar a publicação da nova “edição típica” (edição de referência) do Missal Tridentino de São Pio V (1570) e do Breviário Tridentino do mesmo São Pio V (1569). O Motu Proprio “Rubricarum instructum”, de 25 de Julho de 1960, veio aprovar um novo “corpus” das rubricas do Breviário e do Missal romanos. As pequeníssimas simplificações que aí se fizeram tinham a ver com as regras relativas às colectas e orações e ao modo de classificar as festas. Quanto ao rito em si mesmo, as simplificações mais visíveis são a possível supressão do “confiteor” antes da comunhão e a unificação do “missus” (a despedida): daí em diante seria quase sempre “Ite Missa est”. Vê-se pois o carácter mais do que moderado, ínfimo mesmo, das modificações introduzidas no Missal por João XXIII – que, além do mais, juntou ao Cânone a piedosa invocação de São José.

Certamente que o pontificado do Pap Roncalli não se reduz a estas disposições, outras havendo que vão num sentido diferente. Todavia, é preciso não esquecer estas disposições “conservadoras” no melhor sentido da palavra.

Tanto mais que são precisamente as edições do Breviário e do Missal por ele aprovadas que constituem a referência oficial a essa liturgia que Bento XVI, no Motu Proprio de 7 de Julho de 2007, afirmou jamais ter sido abolida. A realidade é que o Papa Roncalli permitiu que se conservasse para o futuro uma edição do Missal praticamente idêntica, até nos mais pequenos pormenores, à do Missal do séc. XVI, Missal este cuja estrutura tal como aí aparecia já ficara estabelecida desde o séc. VI e cujo Cânone já aparecia “documentado” desde o final do séc. IV.

Esta reforma resolutamente conservadora do Papa Roncalli mostrou claramente que a Igreja de Roma considerava que esta Santa Missa era intocável, vendo nela como que um Credo litúrgico. Parece-nos justo e necessário mostrar-lhe o nosso agradecimento e pedir ao novo santo que interceda junto do Divino Mestre para que conceda à Sua Igreja uma paz litúrgica duradoura.



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