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terça-feira, 18 de setembro de 2012

O Motu proprio Summorum pontificum e a Instrução Universae Ecclesiae « Presbíteros

O Motu proprio Summorum pontificum e a Instrução Universae Ecclesiae « Presbíteros

Em 14 de setembro de 2007 entrou em vigor o Motu proprio Summorum pontificum através do qual o Papa Bento XVI, estabelece que o Rito Romano tem duas formas na celebração da Santa Missa: a forma ordinária e a forma extraordinária. Grande foi a repercussão em todo o mundo católico, pois muitos achavam que era uma volta à Igreja anterior ao Concílio Vaticano II, outros como se fosse um exagero do Romano Pontífice em adotar uma forma litúrgica ultrapassada, apenas para agradar a certos grupos muitas vezes tidos como rebeldes ou saudosistas de uma maneira de celebrar os divinos mistérios de forma que não seria possível nos dias de hoje. Neste estudo, veremos que o Motu proprio, feito por iniciativa própria daquele que é o princípio e fundamento de unidade estabelecido por Cristo para sua Igreja, é fruto de todo um caminho percorrido após a promulgação do novo Missal, e está em consonância com um projeto de reforma na continuidade, desejada pelos Padres conciliares. Não se tratava nos documentos do Vaticano II de demolir um edifício litúrgico construído pela Igreja por quase 20 séculos, mas apresentá-los às novas gerações, com a devida reforma, mais de acordo com os tempos atuais. O que o Santo Padre deseja é uma convivência das duas formas litúrgicas, para que se enriqueçam mutuamente, deixando implícito que haja uma verdadeira reforma na continuidade.

O Motu proprio é um decreto geral legislativo, conforme o cânon 29, emitido por iniciativa própria do Romano Pontífice. Por isso tem valor de lei geral, conforme o cânon citado: “Os decretos gerais, com os quais são dadas pelo legislador competente comuns a uma comunidade capaz de receber leis, são propriamente leis e se regem pelas prescrições dos cânones sobre as leis”. É, portanto, uma relevante expressão do Magistério do Romano Pontífice de regular e ordenar a liturgia da Igreja Universal, expressão da Lex orandi,conforme o cânon 838 §2:
“Compete à Sé Apostólica ordenar a sagrada liturgia da Igreja universal, editar os livros litúrgicos, corrigir suas traduções nas línguas vernáculas e vigiar para que as normas litúrgicas se cumpram fielmente em todas as partes”.

A publicação deste documento marca o fim de um caminho que foi percorrido desde a promulgação por Paulo VI do Missal Romano renovado, e inicia uma nova etapa no desenvolvimento da liturgia no Rito Romano.

À primeira vista, poder-se-ia imaginar a promulgação do Summorum pontificum como um ato isolado do Romano Pontífice, fruto de suas idéias pessoais, ou como conseqüência de pressões sofridas para acalmar os espíritos daqueles que desejavam uma volta da Igreja anterior ao Concílio Vaticano II e da liturgia pré-conciliar. Nada mais inverídico, pois o Motu proprio foi emitido como fruto de uma tomada de consciência no decorrer dos tempos desde a promulgação do novo Missal Romano até a atualidade.

Na gênese do Motu proprio, alguns documentos da Santa Sé marcam os passos que foram dados para atender àqueles que desejavam continuar com a antiga forma litúrgica, quer por não se adaptaram ao novo missal, quer devido aos abusos que foram cometidos em nome da reforma litúrgica, ou ainda por o considerarem uma ruptura no desenvolvimento litúrgico que vinha se ocorrendo na Igreja no decorrer dos séculos. Este desenvolvimento homogêneo de quase vinte séculos sofreu, segundo Klaus Gamber, uma cisão, pois foi construído um novo missal, com elementos antigos, frutos de “escavações” arqueológicas, pinçados aqui e acolá, não expressando assim, o resultado de uma evolução em consonância com a Tradição, como vinha acontecendo até o Concílio Vaticano II.

A Constituição conciliar sobre a Liturgia diz que o Concílio, “obedecendo fielmente a Tradição, declara que a Santa Mãe Igreja considera todos os ritos legitimamente reconhecidos com igual direito e honra e, para o futuro, os quer defender e de todos os modos favorecer” (SC 4) e que a “Igreja não deseja impor na Liturgia uma forma rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé ou ao bem da comunidade”. (SC 37) À luz destes princípios, após a promulgação do Missal Romano renovado por Paulo VI, a Santa Sé foi permitindo, primeiro de modo reduzido, depois de modo mais amplo, que a Missa fosse celebrada na antiga forma do rito romano, como vinha sendo feita até 1970. Prova disto são os vários documentos emitidos com este fim:

Em 1971, o cardeal Bugnini, em carta ao Cardeal Jonh Heenam, dá a faculdade aos Ordinários ingleses e do país de Gales de garantir a grupos de fiéis possam utilizar em ocasiões especiais o Missal anterior a 1970. Nesta época foi permitido aos sacerdotes que tinham séria dificuldade com o novo Missal, sobretudo os idosos, que desejassem continuar celebrando na antiga forma o poder fazê-lo. No início dos anos 80, portanto dez anos após a edição do Missal novo, os Bispos de toda a Igreja foram convidados a apresentar um relatório acerca do recebimento dos sacerdotes e fiéis da nova forma, das dificuldades surgidas na aplicação da reforma litúrgica e das eventuais resistências. O resultado da consulta foi enviado aos Bispos e foi apresentado o problema dos sacerdotes e fiéis ligados ao chamado “rito tridentino”. Por isso em 10 de outubro de 1984, a Congregação para o Culto Divino enviou circular a todas as Conferências Episcopais na qual o Santo Padre oferece aos Bispos diocesanos a possibilidade de usufruir de um indulto, onde concede aos sacerdotes junto àqueles fieis que serão indicados na carta de requerimento a ser apresentada ao próprio Bispo, o poder celebrar a Santa Missa usando o Missal Romano segundo a edição de 1962. (Carta circular Quattuor abhinc annos).

Em 1986, o Papa João Paulo II nomeou uma comissão de nove cardeais para examinar o status legal da Missa antiga. Estava tal comissão também instruída para examinar se o Missal promulgado por Paulo VI ab-rogou o Missal antigo e se um bispo poderia proibir os seus sacerdotes de celebrar usando o Missal dito de São Pio V. A comissão se reuniu em dezembro de 1986. Oito dos nove cardeais responderam que o Missal de Paulo VI não tinha ab-rogado o antigo. Todos unanimemente determinaram que o Papa Paulo VI nunca deu aos bispos autoridade para proibir os padres de celebrar a Missa de acordo com o Missal promulgado por São Pio V. Estas conclusões serviram como guias funcionais para a Comissão Ecclesia Dei, mas nunca foram promulgadas. É significativo o fato da Santa Sé sempre ter tornado sem efeito as penas infligidas pelos Bispos aos sacerdotes por celebrarem na forma antiga. Esta é a jurisprudência da Igreja que, depois do apelo do sacerdote, declara nula qualquer suspensão infligida pelo Ordinário pelo fato de celebrar a Santa Missa na forma antiga contra a vontade do Bispo. Em 2 de julho de 1988, após o ato cismático de D. Lefebvre de ordenar Bispos sem mandato pontifício e contra a vontade do Papa, João Paulo II emitiu o Motu proprio Ecclesia Dei aflicta no qual manifesta sua vontade aos fiéis ligados à precedente forma litúrgica e disciplinar da tradição latina de “facilitar a sua comunhão eclesial, mediante as medidas necessárias por garantir o respeito de suas justas aspirações”(Motu proprio Ecclesia Dei aflicta). Pede aos Bispos que se associem a ele nesta vontade de atender a esses fiéis mediante uma ampla e generosa aplicação das diretivas, emanadas pela Santa Sé. Criou a Comissão Pontifícia Ecclesia Dei para atuar junto aos Bispos no intuito de auxiliá-los no atendimento a esses fiéis, além de colaborar com os Bispos e os Dicastérios da Cúria Romana para facilitar a plena comunhão eclesial dos sacerdotes, seminaristas, comunidades religiosas até então ligadas a D. Lefebvre, que desejam permanecer unidas ao Sucessor de Pedro, conservando suas tradições espirituais e litúrgicas. Estas normas perduraram até 14 de setembro de 2007, quando o Papa Bento XVI, através da Carta Apostólica Summorum pontificum, dá uma nova regulação para a liturgia latina, estabelecendo o Missal promulgado por São Pio V em 1570 como Forma extraordinária do Rito Romano. Tal forma deveria ser tida como expressão da mesma lex orandi juntamente com o Missal de Paulo VI, que constitui a Forma ordinária. Podemos concluir, portanto, que o Missal promulgado após o Concílio de Trento nunca deixou de ser usado na Igreja.

Objetivos do Motu proprio
Segundo a Instrução Universae Ecclesiae, o Motu proprio se propõe a três objetivos:
  1. Oferecer a todos os fiéis a liturgia antiga como um tesouro precioso a ser conservado;
  2. Assegurar e garantir a quantos pedem o uso da forma extraordinária, supondo que o uso do Missal de 1962 é uma faculdade concedida para o bem de todos os fiéis e deve ser interpretada em sentido favorável aos fiéis, que são os seus principais destinatários;
  3. c. Favorecer a reconciliação ao interno da Igreja. Segundo Nicola Bux[2], “como pelo motu proprio que restabelece o uso da missa antiga, a intenção de favorecer a uma reconciliação interna no seio da Igreja implica não só a hipótese da recomposição do cisma formal dos lefebvrianos mas também a superação da ruptura operada no processo de reforma da liturgia contrapondo o novo rito ao antigo”.
Duas formas do Rito Romano

No art. 1, o Papa afirma que o Missal romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária da lex orandi da Igreja católica do rito latino. O Missal romano promulgado por São Pio V e publicado pelo Beato João XXIII é a expressão extraordinária da mesma lex orandi. Não são dois ritos, mas duas formas do mesmo rito, que gozam do mesmo direito de cidadania na Igreja. Com relação à forma extraordinária, o documento estabelece:
  1. O Missal publicado por João XXIII deve gozar na Igreja da devida honra em razão do seu venerável e antigo uso.
  2. É lícito celebrar o Santo Sacrifício da Missa usando o Missal de 1962;
  3. Ficam ab-rogadas as condições colocadas pelos documentos Quattor abhinc annos e Ecclesia Dei;
Condições para o uso do Missal de 1962:

1º Qualquer sacerdote do rito latino, tanto secular como religioso, pode utilizar seja o Missal editado por João XXIII, seja o promulgado por Paulo VI, nas missas celebradas sem o povo, exceto o Tríduo Sacro (art.2). Podem ser admitidos os fiéis que peçam espontaneamente (art. 4). Importa dizer que o sacerdote não necessita de qualquer permissão nem da Sé Apostólica nem do seu Ordinário.

2º É permitido que as comunidades religiosas, seja de direito pontifício, seja diocesano possam utilizar o Missal de 1962 na celebração conventual ou comunitária. Se tais comunidades desejam ter a celebração de modo freqüente, habitual e permanentemente, a decisão cabe aos superiores maiores (art. 3).

3º Nas paróquias onde houver um grupo estável (coetus stabilis) de fiéis, aderentes de maneira estável ao Missal de 1962, o pároco acolherá de bom grado (libenter) o pedido de celebrar a missa na forma extraordinária. Deve fazer isso em harmonia com a atenção pastoral ordinária da paróquia, sob a direção do Bispo, conforme o cânon 392.

As celebrações na Paróquia podem ocorrer em quaisquer dias, exceto no Tríduo Sacro. O pároco permita a celebração na forma extraordinária em matrimônios, exéquias ou celebrações ocasionais. Os sacerdotes devem ser idôneos e não terem nenhum impedimento jurídico. No caso das reitorias, é competência do reitor conceder a licença.

Se o grupo de fiéis leigos não tiver obtido o que solicitou do pároco, informe o Bispo sobre o fato, que deverá satisfazer os seus justos desejos. Caso o Bispo não possa prover tal celebração, o grupo informe à Ecclesia Dei, que exercerá a autoridade da Santa Sé, vigiando a observância e aplicação do Motu proprio. Se o Bispo deseja atender aos fiéis, mas se vê impedido, refira o assunto a mesma Comissão pontifícia.

4º Nas missas celebradas com o povo, as leituras podem ser proclamadas em língua vernácula, usando-se edições reconhecidas pela Sé Apostólica.

5º O Pároco pode conceder a licença para usar o ritual mais antigo na administração do Sacramento do Batismo, Matrimônio, Penitência e Unção dos Enfermos. Os ordinários possuem a faculdade de celebrar o Sacramento da Confirmação, usando o Pontifical antigo. Os clérigos podem usar o Breviário de 1962.

6º O Ordinário do lugar pode erigir paróquias pessoais ou capelanias, segundo as normas do direito.
Em carta aos Bispos que acompanha o Motu proprio, o Romano Pontífice chama a atenção para alguns pontos importantes:
  • O Missal anterior nunca foi juridicamente ab-rogado e, em princípio sempre continuou permitido.
  • A aplicação da reforma litúrgica pós-conciliar causou escândalo e sofrimentos a muitos fiéis, “porque, diz Bento XVI, em muitos lugares, celebravam-se não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal; antes, consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável”.
  • O Missal de 1962 não se contrapõe ao Concílio Vaticano II e à Forma ordinária da Santa Missa. Pelo contrário, diz o Papa, as duas formas podem enriquecer-se mutuamente. “Na história da Liturgia, afirma o Papa na mesma carta, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura. Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido e mesmo prejudicial”.
  • Não é preciso temer a possibilidade de divisões ou desordens nas comunidades paroquiais, pois o uso do Missal antigo pressupõe um certo grau de formação litúrgica e conhecimento da língua latina. Portanto o novo Missal permanecerá a Forma ordinária, não só pela normativa jurídica, como também pela situação real em que se encontram as comunidades (cf. Carta aos Bispos).
No final da carta, o Papa convida os Bispos a elaborarem um relatório sobre as experiências na aplicação do Motu proprio, após três anos de sua entrada em vigor. Isto foi feito em 2010 e a Comissão Pontifícia Ecclesia Dei recebeu os informes dos Bispos, relatando suas experiências e dificuldades após a promulgação do Summorum pontificum.

Instrução Universae Ecclesiae

Na aplicação do Motu proprio, conforme o relatório enviado pelos Bispos, pôde ser constatado que houve melhoria da espiritualidade dos fiéis e que produziu grandes frutos. É grande também o número de jovens que são atraídos pela busca do sagrado e do silêncio. Por outro lado, não é menor a resistência e hostilidade do clero, quer pelo preconceito, quer pelo medo de se constituírem duas Igrejas. Por fim, viu-se que o decreto não está aplicado de modo uniforme nos diversos países (cf. Mons. Guido Pozo, 3º Convegno sul Motu proprio Summorum pontificum, Roma 13/05/2011).

Além disso, foram apresentadas algumas dificuldades dentre as quais a definição de coetus stabilis e o que se entende por sacerdotes idôneos para celebrar na forma extraordinária. Encontrou-se dificuldade na Língua latina, como também em fazer os fiéis compreenderem as riquezas das duas formas. Alguns Bispos expressaram o seu receio de que o uso do Missal antigo se torne um pretexto para colocar em dúvida a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II.

Em 13 de maio de maio de 2011, a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei publicou a Instrução Universae Ecclesiae, que regulamenta a aplicação do Motu proprio, uma vez que “por causa do aumento de quantos solicitam o uso da forma extraordinária, fez-se necessário dar algumas normas a respeito” (n.7 da Instrução). Ela é o resultado dessa experiência de três anos, dando uma explicitação do valor canônico do documento pontifício e mostrando a mens do mesmo, que é assinalar o valor da reforma litúrgica pós-conciliar sem abusos e ambigüidades e o tesouro do Missal Tradicional colocado à disposição dos fiéis. O documento fala das competências da Comissão Ecclesia Dei e dá as normas específicas para a aplicação do Summorum pontificum.
Competências da Comissão Ecclesia Dei

A Comissão Pontifícia Ecclesia Dei possui poder ordinário vicário para a matéria de sua competência, principalmente no tocante à obediência e à vigilância na aplicação do Motu proprio. Possui as faculdades anteriores dadas pelo Papa João Paulo II, confirmadas e ampliadas por Bento XVI:
1ª Atuar junto às autoridades competentes para facilitar a comunhão plena daqueles que estão ligados à Forma extraordinária, mas pertencem a grupos que não estão em comunhão plena com a Igreja. (cf. Motu proprio Ecclesia Dei aflicta)

2º Julgar os recursos administrativos a ela remetidos na qualidade de Superior hierárquico, mesmo contra uma eventual medida administrativa singular do Ordinário que pareça contrário ao Motu proprio. Os decretos com os quais a Comissão julga são passíveis da apelação à Assinatura Apostólica;

3ª Preparar a eventual edição dos textos litúrgicos concernentes à forma extraordinária, após aprovação da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos;

Normas específicas da Instrução

a) Competência dos Bispos
Os Bispos têm a missão de vigiar em matéria litúrgica para garantir o bem comum, em paz e serenidade, sempre de acordo com a mens do Romano Pontífice (n.13 da Instrução) e tomar as medidas necessárias para garantir o respeito da forma extraordinária de acordo com o Motu proprio.
a) Coetus fidelium

O Motu proprio diz em seu artigo 5 §1 que onde houver um grupo de fiéis aderentes de maneira estável, à forma extraordinária, o pároco acolha o seu pedido de celebrar a Santa Missa segundo o Missal de 1962. Nos documentos anteriores, competia ordinariamente ao Bispo diocesano conceder aos próprios fiéis que solicitassem e nas igrejas especialmente indicadas por ele. Pelo Summorum pontificum, esta competência é do pároco, (nas igrejas não paroquiais, do reitor), que deve como pastor acolher de bom grado o pedido, procurando “que o bem desses fiéis se harmonize com a atenção ordinária da paróquia, sob a direção do Bispo”. O documento fala de um grupo estável, independente do número, que forme um grupo de fiéis que tenha em comum o desejo de participarem da liturgia segundo a forma extraordinária de modo estável. 


Na tradição canônica o grupo, universitas personarum, é formado de ao menos três pessoas físicas unidas com um fim que transcende a capacidade de cada um individualmente e que seja consentâneo com a missão da Igreja. A estabilidade consiste no desejo ao menos implícito de permanecerem unidos no objetivo comum. Além de ser um grupo estável, o Motu próprio diz que a adesão à precedente tradição litúrgica também deve ser estável, isto é, fruto de um desejo contínuo de participar da liturgia segundo os livros de 1962, não apenas de modo ocasional, mas de forma habitual. Para tais fiéis, a forma extraordinária se tornaria o modo habitual de celebrar a liturgia, sem rejeitar em linha de princípio a forma posterior ao Concílio Vaticano II. Por outro lado, o atendimento ao grupo estável de fiéis deve estar em harmonia com a atenção pastoral ordinária da paróquia, pois o pároco, como pastor, é responsável pelo bem espiritual de todos os fiéis e deve cuidar que a todos chegue a Palavra de Deus e os sacramentos, segundo a necessidade de cada um. É também responsável pela unidade pastoral na paróquia, por isso deve esforçar-se por que os fiéis tenham também cuidado da comunhão paroquial e que se sintam membros da Igreja universal (cf. cc. 528-529), daí a advertência do Motu proprio antes referida.

A Instrução, sem estabelecer um número mínimo, diz que o coetus fidelium pode ser:
  • Constituído por algumas pessoas de uma determinada paróquia unidas por causa da veneração pela liturgia no uso antigo;
  • Pessoas que vêm de diferentes paróquias ou dioceses que convergem em uma igreja paroquial, capela ou oratório destinado a tal fim;
  • Grupo de fiéis que se apresente com um sacerdote ocasionalmente em uma igreja paroquial ou capela;
Tais fiéis não devem pertencer ou apoiar grupos que se manifestam contrários à validade ou legitimidade da santa Missa e sacramentos na forma ordinária ou são contrários ao Romano Pontífice como Pastor supremo (n.19 da Instrução).
b) Pároco, Reitor ou Sacerdote responsável por uma igreja:
  • Acolha o pedido do grupo de fiéis, tendo em conta a harmonia com a paróquia, para que não seja causa de divisão;
  • Decida nos casos particulares com prudência e zelo pastoral, com espírito de generosa hospitalidade;
  • Em caso de grupos menos numerosos, far-se-á um apelo ao Ordinário do lugar para determinar uma igreja para tal (n. 17 da Inst.);
  • Nos santuários e lugares de peregrinação, deve-se oferecer a possibilidade do uso da forma extraordinária ao grupo de peregrinos que o pedir, se houver sacerdote idôneo (n. 18 da Inst.).
c) Sacerdote idôneo.

Muito se discutiu sobre o que seria o sacerdote idôneo para celebrar na forma extraordinária. A Instrução esclarece que o sacerdote idôneo é aquele não impedido pela lei canônica, seja em razão de alguma irregularidade ou impedimento em sua ordenação (c. 1044), seja por uma sanção penal que proíba seu exercício (cf. c. 903). É preciso que tenha um conhecimento básico de latim, que permita pronunciar as palavras de modo correto e entender o seu significado. Quanto ao modus celebrandi, presumem-se idôneos os sacerdotes que se apresentam espontaneamente para celebrar na forma extraordinária ou já o fizeram no passado.

A Instrução pede aos Ordinários que ofereçam ao clero a possibilidade de obter uma preparação adequada às celebrações na forma extraordinária, assim como aos seminaristas com o estudo do latim (cf. c. 249). O Ordinário pode pedir a colaboração de outros sacerdotes que conheçam a forma extraordinária para celebrar ou para ensinar os padres ou seminaristas a celebrar pelo Missal de 1962. A faculdade de celebrar sine populo foi dada pelo Motu proprio a todo sacerdote, assim, em tais celebrações, não é necessária qualquer permissão do Ordinário ou Superior.

d) Disciplina litúrgica e eclesiástica.

Quem deseja celebrar a Santa Missa na forma extraordinária deve conhecer as rubricas executá-las corretamente, segundo os livros litúrgicos em vigor em 1962. Novos santos e novos prefácios deverão ser inseridos, segundo diretrizes a serem indicadas posteriormente. As leituras podem ser proclamadas ou somente em língua latina, ou em língua latina seguida da tradução em vernáculo, ou, nas missas recitadas, só em vernáculo.

Quanto às normas disciplinares conexas à celebração, aplicam-se as leis canônicas da atual codificação de 1983, como por exemplo, a clericatura se recebe com o Diaconato e não com a tonsura, como no Código anterior. Por outro lado, o Motu proprio derroga os textos legislativos inerentes aos sagrados ritos promulgados a partir de 1962 e incompatíveis com as rubricas dos livros litúrgicos em vigor em 1962.
Permite-se também o uso do Pontifical Romano, do Breviário e do Ritual vigentes em 1962. O Tríduo Pascal pode ser celebrado se o coetus fidelium dispuser de um sacerdote idôneo, de acordo com o Pároco ou o Ordinário.

A Instrução, seguindo a mens do Motu proprio, não se refere apenas àqueles que desejam celebrar ou participar da Missa do modo como a Igreja fez durante séculos. O Papa deseja ajudar a todos os católicos a viverem a verdade da liturgia e compreenderem, através da participação na antiga forma, que a Sacrossantum Concilium queria reformar a liturgia em continuação com a Tradição. O que o Papa deixa supor um programa de reforma da reforma como um verdadeiro progresso litúrgico em continuidade homogênea com Tradição. Por isso o Motu proprio deve ser visto como um gesto do Romano Pontífice, não para impedir a reforma litúrgica, mas para retomá-la em linha de consonância com o que desejavam os Padres conciliares, fazendo o que ele chamou no famoso discurso à Cúria Romana em 2005, a “hermenêutica da reforma na continuidade”.
Pe. José Edilson de Lima.

[1] GAMBER, Klaus, La Réforme Liturgique en question, Edition Sainte-Madeleine, 1992, p. 85
[2] BUY, Nicola, La Riforma di Benedetto XVI, la liturgia tra innovazione e tradizione, Edizioni Piemme, Casale Monferrato, 2ª edizine, 2009, p. 45

Movimento Litúrgico São Gregório Magno

Foto: Salutem amicis,

No próximo dia 30 de setembro na igreja de São Benedito, no centro de Maceió, acontecerá nosso encontro de formação e também a santa Missa na forma extraordinária do Rito Romano.
Venha também fazer parte deste Movimento Litúrgico "para o bem da Igreja, para salvação das almas e para maior gloria de Deus."

In Iesu,

MLSGM

Ave Maria Immaculata

Salutem amicis,

No próximo dia 30 de setembro na igreja de São Benedito, no centro de Maceió, acontecerá nosso encontro de formação e também a santa Missa na forma extraordinária do Rito Romano.Venha também fazer parte deste Movimento Litúrgico "para o bem da Igreja, para salvação das almas e para maior gloria de Deus."


In Iesu,

MLSGM

Ave Maria Immaculata

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O piedoso uso do véu - Mantilha


Na paróquia de São Paulo Apóstolo, mais precisamente na comunidade de NS. do Perpétuo Socorro em Maceió, jovens inicia uma "dura batalha", contra os olhares e comentários daqueles que detestam a Tradição e tudo que possa nos fazer lembrar Dela, pela restauração do piedoso uso do véu.

Pedimos ao irmãos que em suas orações lembrem destas e das outras jovens que vem se dedicando a este apostolado em favor da oração, piedade, modéstia e pudor.

Ave Maria Immaculata.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

"Se queres saber o que cremos, vem ouvir o que cantamos.” Santo Agostinho

Por Luciano Peixoto


Não há como negar, mesmo uma pessoa sendo ateia ou pagã, quando esta ouvir um Canto Gregoriano, ela afirmará que esse tipo de canto é da Igreja Católica. De fato, o canto chão, também conhecido como Canto Gregoriano é a música que melhor exprime o que cremos e como cremos, através da sonoridade e suavidade das vozes dos cantores, e/ou do grupo de canto (Schola Cantorum). Assim, entendemos que este é verdadeiramente o canto que nos deixa mais próximo de Deus, é um canto oracional, um canto expermental, ou seja, que foi feito somente para rezar, para entrar na intimidade do Santo dos Santos. Por isso a predileção de se cantar em uníssono, cantar em uma só voz, com em uma só melodia (Cantus Firmus), louvando, e aclamando o Deus altíssimo.

O canto é parte integrante na litúrgia católica, é inerente ao rito da Santa Eucaristia, ele – o canto, é um sinal de expressão, é uma forma de externar nossa identidade, ou seja, através do canto chão, exprimimos aquilo que somos e aquilo que cremos. Podemos até mesmo ousar dizer que o canto litúrgico na nossa igreja é um “Sacramentum”, é uma fonte inesgotável desse encontro que o Senhor nos propociona a encontrá-lo. O canto chão, bem cantado, a cada rito nos eleva, nos aproxima de Deus. Se o rito por si só nos eleva ao Senhor, quanto mais o canto inserido nesse rito, este, nos faz contemplá-lo, nos faz amá-lo cada vez mais. Pois, somente entende esta espiritualidade, esta sacramentalidade, que existe no canto chão, quem, de fato, é católico, quem, de fato, professa a mesma fé que é recitada ou cantada a cada domingo na Santa Missa no credo, sem viver no Cristo, sem prova da vinha do Senhor, sem está no corpo da Igreja, não há como viver nessa Graça perene de ser Cristão.

O Canto Gregoriano é patrimônio da nossa igreja, mas, o verdadeiro zelo por ele se tem, quando aprendemos quem realmente somos, que vai muito além daquilo que gostamos, sentimos ou entendemos na própria ação litúrgica. Cantar o canto dos anjos, assim também considerados por muitos, é algo que muitas vezes foge da nossa explicação, foge da nossa razão, mas, se observarmos bem, Deus, também não é assim? A compreensão sobre Deus foge da nossa explicação, entender por completo Deus seria acreditar em um deus que cabe na nossa razão humana, e isso nunca seria Deus. Portanto, não esquecemos, não deixemos de lado, aquilo que foi construído pela nossa Igreja em toda a sua história. A frase citada por Santo Agostinho como título desse artigo, é uma proposta de evangelização através do canto para aqueles que não conhecem a Deus, ou pelo menos, para aqueles que querem conhecer melhor a Deus, é um remate daquela passagem bíblica quando os discípulos de João perguntam: Mestre, onde moras? E Jesus responde: “Vinde e vede”. Jo 1,39.
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*
Pós-graduando no Curso de Artes e Educação da UFAL, foi aluno de Nicoolas G. Vale nas classes de teoria musical e solfejo. Em 2005 Iniciou seus estudos de canto com a professora Vitória de Souza, 2006 : Dá prosseguimento ao estudo do canto com a professora Fátima de Brito, ainda hoje sob sua orientação. 2006 à 2007: Com Benito Maresca (SP) toma aulas especiais sobre repertório operístico. Participou de diversos Masterclasses com alguns professores no âmbito do canto Lírico:

Angelo Dias (GO), Marília Alvares (GO),  Denise Sartori (PR), Mirna Rubim (RJ) e José Vianey (PB).

Participou de mostras, concurso e concertos:
(2005) Participou da 3ª MOSTRA de CANTO LÍRICO -Maceió/AL, (2006) : Participou da 4ª MOSTRA de CANTO LÍRICO -Maceió/ AL, (2007) : Participante no 11º MARACANTO (São Luiz / MA), (2008) : Foi protagonista da ópera de W.A.Mozart: "Bastien und Bastienne". (2009) :* Participou,em parceria com o barítono Bruno Sandes, de diversos Recitas de Câmara sob a orientação da profª Fátima de Brito. * Participou, como convidado, em diversos Recitas de Alunos da Classe de Canto da profª Fátima de Brito. * Participou,sob a regência de Nilton Souza,do Concerto de Férias na Igreja de São Benedito. (2010) :*Concerto aos Domingos no no IHGAL,com o barítono Bruno Sandes; acompanhado ao piano pelas professoras Selma Britto e Fátima de Brito. *Recital Palestra sobre "A Modinha no Brasil" ;Conservatório de Música de Aracaju (SE), *Participou,sob a regência de Max Carvalho,em projetos no coro Camerata Pro-Música de AL. (2011) :*Participou,sob a regência de Max Carvalho,em projetos do coro Camerata Pro-Música de AL. *Concerto aos Domingos no IHGAL,com a soprano Elvira Rebelo faz o final do primeiro ato da ópera de Puccini:"La Bohème", sob a orientação da profª Fátima de Brito.
Desde 1998, desenvolve o trabalho de canto na igreja católica, na diocese de Maceió, através de aulas de canto e técnica vocal.
Também tem realizado palestras e workshop sobre música litúrgica.

sábado, 21 de julho de 2012

Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano em Maceió - AL

Ave fratres,

Estamos iniciando, na diocese de Maceió - Al, um grupo de estudos da Sagrada Liturgia. Já contamos com um sacerdote, Rev. Pe. Erico Falcão, para darmos assistência e também celebrar para nós a Santa Missa na forma Extraordinária, como podem ver nas fotos do nosso ultimo encontro que estão a baixo.
   
Temos a imensa alegria de ter mais dois sacerdotes que estão sentindo desejo de aprender o rito.

Enfim, pedimos vossas orações por nosso grupo e também por nossos padres para que este tesouro da santa Igreja seja colocado a disposição de todo povo de Deus presente na igreja de Maceió.

Ave Maria Immaculata.





















quarta-feira, 18 de julho de 2012

Missa Tridentina na Canção Nova

Caros irmãos,

É com uma imensa alegria que partilho a noticia que segue a baixo que já foi publicada por diversos blogs e que é nossa obrigação também divulgar.

Peço encarecidamente que divulguemos e visitemos o blog da Canção Nova (AQUI) para reconhecermos e agradecer o empenho desta comunidade em obedecer ao santo Padre no que se refere à santa Liturgia, como foi também na Páscoa e também em Corpus Christe com o rito ordinário. Sabemos que alguns na Canção Nova ainda continuam abusando, mas acho que nós não imaginaríamos que ela fosse alcançar tanta riqueza litúrgica, pelo menos por enquanto.

Pois bem, visitem o blog da Canção Nova e deixem um comentário e um pedido para ser celebrada um santa Missa na Forma extraordinária quem sabe no dia de S. Cura D'Ars. Pois é isso pode ser uma campanha:

"Por uma Missa na Forma extraordinária  
no dia de S. Cura D'Ars ao vivo naCanção Nova"

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Ave Maria Immaculata
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Fonte: Salvem a Liturgia

Missa na Forma Extraordinária na Canção Nova


Por Rafael Vitola Brodbeck Sem comentários e 3 referências
Como todos sabem, no dia 15 de julho, último Domingo, a Canção Nova organizou uma Missa na forma extraordinária, que foi assistida por membros e dirigentes. O Pe. Demétrio, da nossa equipe, celebrou, e o evento teve todo o apoio do Salvem a Liturgia desde quando ainda não era de conhecimento público esse grande evento. 

Eis as fotos oficiais, divulgadas pela própria Canção Nova:


                                           
                                               

     

    









 



domingo, 1 de julho de 2012

Pentecostes no Rito Bizantino entre os Eslavos

Pentecostes no Rito Bizantino entre os Eslavos

Caros irmãos, Pax.
Encontramos estas fotos no Atanasiano  e como sempre ficamos imprecionados com a beleza da tradição liturgica do Oriente, não que nossa Liturgia deixe a desejar em beleza e sacralidade, mas não podemos negar que os "presidentes e suas equipes de celebração" têm destruido o que o Santo Espirito entregou a Sua Igreja ao longo dos séculos.







"Como cor da esperança, o verde para os eslavos é o Espírito Santo soprando sobre os fiéis para animá-los e inspirá-los. Para nós e para eles é o fogo dos Céus, para nós do ocidente e para eles do oriente, o Espírito Santo é o Senhor da Colheita, mas nós romanos vemos esse fato da Revelação Divina nas cores Vermelhas, no uso comum do Rito Latino." (ATANASIANO)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Onde celebrar? (CIC 1179-1186)

Onde celebrar? (CIC 1179-1186)



Rubrica de Teologia litúrgica aos cuidados do Pe. Mauro Gagliardi



Uwe Michael Lang*

ROMA, quarta-feira, 27 de junho de 2012 (ZENIT.org) - Com o artigo de hoje, conclui-se o quarto ano da rubrica “Espírito da Liturgia", que neste ano dedicamos ao ensinamento litúrgico do Catecismo da Igreja Católica, em preparação para o Ano da Fé. Ao despedir-nos dos nossos leitores, esperamos reencontrar-los no próximo mês de outubro (Pe. Mauro Gagliardi).

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Na sua existência, o homem é identificado por duas coordenadas fundamentais: o espaço e o tempo, duas realidades que não se constroem, mas que lhe são dadas. O homem está ligado ao espaço e ao tempo, e também a sua oração a Deus está. Enquanto a oração como simples ato religioso pode ser feita em todos os lugares, a liturgia, no entanto, como um ato de culto público e ordenado, requer um lugar, geralmente um edifício, onde possa ser realizada como rito sagrado.

O edifício de culto cristão não é o equivalente do templo pagão, onde a câmara com a imagem da divindade também era considerada, de alguma forma, a casa dela. Como diz São Paulo aos atenienses: "Deus não habita em templos construídos pelo homem" (Atos dos Apóstolos 17,24).

Em vez disso, há um relacionamento mais próximo com a Tenda do Encontro, erguida no deserto de acordo com as instruções do próprio Deus, onde a glória do Senhor (shekinah) se manifestava (Êxodos 25,22; 40,34). No entanto, Salomão, depois de ter construído o Templo de Jerusalém, o prédio que toma o lugar da Tenda da reunião,  exclama: "Mas será que é verdade que Deus habita na terra? Eis os céus, e os céus dos céus não podem te conter, muito menos esta casa que eu edifiquei!" (1 Reis 8,27). Na história do povo de Israel há uma espiritualização, que leva à famosa passagem do profeta Isaías: "Toda a terra está cheia de sua glória" (Isaías 6,3; cf. Jeremias 23,24; Salmos 139,1-8; Sabedoria 1,7), texto passado depois para o Sanctus da Liturgia Eucarística. "Toda a terra é santa e confiada aos filhos dos homens" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1179).

Uma nova etapa está presente no Evangelho segundo João, quando Cristo declara, durante o seu encontro com a mulher Samaritana, que "chegou a hora, e agora é quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade" (João 4,23). Isso não significa que, à luz do Evangelho, não se deveria ter algum culto público ou edifício sagrado. O Senhor não disse que não deveriam ter lugares de culto na Nova Aliança;  ao mesmo tempo, na profecia sobre a destruição do Templo, Ele não afirma que nunca mais deva existir edifícios construídos em honra de Deus, mas sim que não deve existir somente um lugar exclusivo.

O próprio Cristo, seu corpo vivo, ressuscitado e glorificado, é o novo templo onde Deus habita e onde acontece o seu culto universal "em espírito e verdade" (cf. J. Ratzinger, Introduzione allo spirito della liturgia, San Paolo, Cinisello Balsamo 2001, pgs. 39-40). Como São Paulo escreve: "É em Cristo que habita corporalmente toda a plenitude da divindade e vocês têm nele parte da sua plenitude” (Colossenses 2, 9-10). Por participação, por força do Batismo, também o corpo do cristão se torna templo de Deus (1 Coríntios 3, 16-17; 6,19; Efésios 2, 22). Usando uma frase muito querida por Santo Agostinho, Christus Totus, o Cristo inteiro é o verdadeiro lugar de culto cristão, isto é, Cristo como Cabeça e os cristãos como membros do seu Corpo Místico. Os fiéis que se reunem num mesmo lugar para o culto divino são as "pedras vivas", colocadas juntas “para a construção de um edifício espiritual” (1 Pedro 2,4-5). De fato, é significativo que a palabra que antes indicava a ação do reunir-se dos cristãos, ou seja ekklesia – Igreja –, tenha passado a indicar o mesmo lugar onde acontece a reunião. O Catecismo da Igreja Católica insiste no fato de que as igrejas (como edifícios) "não são simples lugares de reunião, mas significam e manifestam a Igreja que vive naquele lugar, lar de Deus com os homens reconciliados e unidos em Cristo” (n. 1180).

Em época paleocristiana, forma típica do edifício igreja foi a basílica com grande nave central retangular, que termina num ábside semicircular. Tal tipo de edifício correspondia às exigência da liturgia cristã e, ao mesmo tempo, deixava grande liberdade aos contrutores, para a escolha dos elementos arquitetônicos e artísticos. A basílica exprime também uma orientação axial, que abre a assembléia para as dimensões transcendente e escatológica da ação litúrgica. Na tradição latina, a disposição do espaço litúrgico com a orientação axial permaneceu como norma e se acha que também hoje seja a melhor forma, porque exprime o dinamismo de uma comunidade a caminho do Senhor.

Como afirma Bento XVI, "a natureza do templo cristão define-se pela mesma ação litúrgica” (Sacramentum Caritatis, n. 41). Por esta razão, também o projeto das alfaias sacras (altar, tabernáculo, sede, ambão, batistério, lugar da penitência) não pode apenas seguir critérios funcionais. A arquitetura e a arte não são elementos extrínsecos à liturgia e nem sequer têm uma função meramente decorativa. Por isso, o compromisso de construir ou adequar as igrejas deve estar permeado do Espírito e das normas da liturgia da Igreja, ou seja daquela lex orandi que exprime a lex credendi, e disso nasce a grande responsabilidade seja dos que projetam seja dos que encomendam.

* Padre Uwe Michael Lang, C.O., é um Oficial da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e Consultor do Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice.

FONTE: ZENIT

sábado, 23 de junho de 2012

MONS. SCHNEIDER E A LITURGIA:HORIZONTES PARA O 3º MILÉNIO - Segunda parte.

Caros Irmãos, pax.

Trazemos agora a segunda parte da refexão de D Athanasius Shneider, como falamos no post anterior, que a sempre excelente Pax Liturgique publicou em sua carta 27, onde sua eminencia aborda o tema "A Forma Extraordinária e a Nova Evangelização”.

"A primeira chaga, e a mais evidente, é a celebração do sacrifício da missa tendo o sacerdote o seu rosto virado para os fiéis, nomeadamente na altura da oração eucarística e da consagração, o momento mais alto e mais sagrado de adoração a Deus. Pela sua natureza, esta forma exterior corresponde mais ao modo em que se dá uma aula ou se partilha uma refeição. Estamos em presença de um círculo fechado. E esta forma não é de todo conforme a um momento de oração, e menos ainda de adoração."


Dom Athanasius Shneider

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Segunda parte

III – Os seis princípios da reforma litúrgicaO Concílio Vaticano II proclamou a respeito da reforma litúrgica os seguintes princípios:

1. Durante a celebração litúrgica, o humano, o temporal, a actividade devem orientar-se pelo divino, pelo eterno, pela contemplação, e devem ter um papel subordinado a estes últimos (cf. Sacrosanctum Concilium, 2).

2. Durante a celebração litúrgica, deve-se encorajar a tomada de consciência de que a liturgia terrestre participa da liturgia celeste (cf. Sacrosanctum Concilium, 8).

3. Não deve aí ocorrer em absoluto qualquer inovação, e assim, qualquer criação de novos ritos litúrgicos, sobretudo no interior do rito da missa, excepto se for para se obter uma vantagem verdadeira e certa em favor da Igreja, mas sob condição de se proceder com prudência e de que, nessa eventualidade, as novas formas substituam de modo orgânico as formas já existentes (cf. Sacrosanctum Concilium, 23).

4. Os ritos da missa devem ser de maneira a exprimir o sagrado mais explicitamente (cf. Sacrosanctum Concilium, 21).

5. O latim deve ser conservado na liturgia e sobretudo na Santa Missa (cf. Sacrosanctum Concilium, 36 et 54).

6. O canto gregoriano tem o primeiro lugar na liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, 116).

Os padres do concílio viam as suas propostas de reforma como a continuação da reforma de São Pio X (cf. Sacrosanctum Concilium, 112 et 117) e do servo de Deus Pio XII, e, de facto, na constituição litúrgica, foi a encíclica Mediator Dei, do Papa Pio XII, o documento que eles mais citaram.

O Papa Pio XII deixou à Igreja, entre outros, um importante princípio da doutrina sobre a Sagrada Liturgia, qual seja, a condenação do que se costuma chamar de arqueologismo litúrgico, cujas propostas coincidiam "grosso modo" com as do sínodo jansenista e protestantizante de Pistóia, de 1786 (cf. Mediator Dei, n° 63-64) e que, de facto, recordam os pensamentos teológicos de Martinho Lutero.

É por isso que já o Concílio de Trento condenara as ideias litúrgicas protestantes, nomeadamente a acentuação exagerada, na celebração eucarística, da noção de banquete em detrimento do caráter sacrificial, e a supressão dos sinais unívocos da sacralidade enquanto expressão do mistério da liturgia (cf. Concile de Trente, sessio XXII ).

As declarações litúrgicas doutrinais do magistério — como foi o caso do Concílio de Trento e da encíclica Mediator Dei —, que se refletem numa praxis litúrgica secular, e até mesmo com mais de um milénio, uma prática constante e universal, estas declarações, dizíamos, fazem parte desse elemento da santa tradição que não podemos abandonar sem que soframos grandes prejuízos no plano espiritual. Estas declarações doutrinais sobre a liturgia, Vaticano II retomou-as, como podemos constatar ao ler os princípios gerais do culto divino na constituição litúrgica Sacrossanctum Concilium.

Como erro concreto no pensamento e no agir do arqueologismo litúrgico, cita o Papa Pio XII a proposta de se dar ao altar a forma de uma mesa (cf. Mediator Dei n° 62). Se o Papa Pio XII recusava mesmo o altar em forma de mesa, bem se pode imaginar que forçosamente teria recusado a proposta de uma celebração à volta de uma mesa, “versus populum” [de frente para o povo]!

Se a Sacrosanctum Concilium ensina, no seu nº 2, que, na liturgia, a contemplação dever ter a prioridade e que toda a celebração da missa deve ser orientada para os mistérios celestes (cf. idem n° 2 et n° 8), o que aí encontramos é um eco fiel da seguinte declaração do Concílio de Trento: «Uma vez que a natureza do homem é feita de tal maneira que não se deixa elevar facilmente à contemplação das coisas divinas sem ajudas exteriores, a Santa Madre Igreja, na sua benevolência, introduziu ritos precisos; recorreu ela, apoiando-se no ensinamento apostólico e na tradição, a cerimónias como bênçãos impregnadas de mistério, velas, incenso, vestimentas litúrgicas e muitas outras coisas; tudo isso deveria incitar os espíritos dos fiéis à contemplação das coisas sublimes, graças a sinais visíveis de religião e piedade» (sessio XXII, cap. 5).

Os ensinamentos do magistério da Igreja citados, e sobretudo os da Mediator Dei, sem dúvida alguma que foram reconhecidos pelos padres conciliares como plenamente válidos; por consequência, eles devem continuar a ser plenamente válidos para todos os filhos da Igreja, também hoje.


IV – As cinco chagas do corpo místico litúrgico de Cristo

Na sua carta dirigida a todos os bispos da Igreja Católica, que Bento XVI juntou ao Motu proprio Summorum pontificum, de 7 de Julho de 2007, o Papa faz esta importante declaração: «Na história da Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura. Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós». Ao dizer isto, o Papa expressa o princípio fundamental da liturgia que o Concílio de Trento, o Papa Pio XII e o Concílio Vaticano II ensinaram.

Se olharmos sem ideias pré-concebidas e de maneira objectiva para a prática litúrgica da esmagadora maioria das igrejas em todo o mundo católico em que é usada a forma ordinária do rito romano, ninguém pode negar em toda a honestidade que os mencionados seis princípios litúrgicos do Concílio Vaticano II não são respeitados, ou são-no muito pouco, ainda que se afirme erroneamente que uma tal prática litúrgica foi desejada pelo Vaticano II. Na prática litúrgica actualmente dominante, dentro do rito ordinário, há um certo número de aspectos concretos que representam uma verdadeira ruptura com uma prática litúrgica que era constante há mais de um milénio. Do que se trata é dos seguintes cinco usos que podemos designar como sendo as cinco chagas do corpo místico litúrgico de Cristo. E são chagas, porque representam um ruptura violenta com o passado, porque põem menos a tónica no caráter sacrificial — conquanto seja ele mesmo, afinal, o caráter central e essencial da missa —, pondo-a antes de mais no aspecto do banquete. Tudo isso vem diminuir os sinais exteriores de adoração, pois tais chagas vêm dar menos destaque ao caráter de mistério daquilo que é celeste e eterno.

Quanto a estas cinco chagas, à excepção de uma delas (as novas orações do ofertório), elas não estão previstas na forma ordinária do rito da missa, mas foram introduzidas de modo deplorável pela prática.

A) A primeira chaga, e a mais evidente, é a celebração do sacrifício da missa tendo o sacerdote o seu rosto virado para os fiéis, nomeadamente na altura da oração eucarística e da consagração, o momento mais alto e mais sagrado de adoração a Deus. Pela sua natureza, esta forma exterior corresponde mais ao modo em que se dá uma aula ou se partilha uma refeição. Estamos em presença de um círculo fechado. E esta forma não é de todo conforme a um momento de oração, e menos ainda de adoração. Ora uma tal forma não foi em hipótese alguma desejada pelo Concílio Vaticano II, e jamais foi recomendada pelo magistério dos Papas pós-conciliares. O Papa Bento XVI escreve assim no seu prefácio ao primeiro volume das suas obras completas: «A ideia de que o sacerdote e a assembleia se devem mirar durante a oração nasceu entre os modernos e é totalmente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, é ao Senhor que eles se dirigem. É por isso que na oração eles olham na mesma direcção: ou para o Oriente, que é o símbolo cósmico do regresso de Nosso Senhor, ou então, onde isso não seja possível, para uma imagem de Cristo situada na ábside, para uma cruz ou, muito simplesmente, todos juntos para o alto».

A forma da celebração em que todos dirigem o olhar para a mesma direcção (conversi ad orientem, ad Crucem, ad Dominum) é mesmo evocada pelas rubricas do novo rito da missa (cf. Ordo Missae, n. 25, n. 133 e n. 134). A celebração que apelidamos de “versus populum” certamente não corresponde à ideia da Sagrada Liturgia tal como ela aparece nas declarações de Sacrosanctum Concilium n°2 e n° 8.

B) A segunda chaga é a comunhão na mão, espalhada no mundo praticamente por toda a parte. Não somente esta forma de receber a comunhão de nenhum modo foi acenada pelos Padres conciliares do Vaticano II, mas foi pura e simplesmente introduzida por um certo número de bispos em desobediência à Santa Sé, e com desprezo pelo voto negativo dado em 1968 pela maioria do corpo episcopal. Foi só mais tarde que o Papa Paulo VI a legitimou sob algumas condições, e a contragosto.

O Papa Bento XVI, desde a festa do Santíssimo Sacramento de 2008, já não distribui a comunhão a não ser a fiéis ajoelhados e na língua, e isso não apenas em Roma, mas também em todas as igrejas locais que visita. Com isso, ele dá a toda a Igreja um exemplo claro do magistério prático em matéria litúrgica. Se a maioria qualificada do corpo episcopal, três anos após o concílio, recusou a comunhão na mão como algo de nocivo, quanto mais não o teriam recusado também os Padres conciliares!

C) A terceira chaga são as novas orações do ofertório. São elas uma criação inteiramente nova e jamais estiveram em uso na Igreja. Elas exprimem menos a evocação do mistério do sacrifício da cruz e mais a de um banquete, fazendo lembrar as orações da refeição sabática judia. Na tradição mais que milenar da Igreja do Ocidente e do Oriente , as orações do ofertório sempre estiveram centradas expressamente sobre o eixo que é o mistério do sacrifício da cruz (cf., p. ex., Paul Tirot, Histoire des prières d’offertoire dans la liturgie romaine du VIIème au XVIème siècle, Roma, 1985). Esta criação absolutamente nova está sem qualquer margem de dúvida em contradição com a clara formulação do Vaticano II, que nos recorda: « Innovationes ne fiant … novae formae ex formis iam exstantibus organice crescant » (2) (Sacrosanctum Concilium, 23).

D) A quarta chaga é a desaparição total do latim na imensa maioria das celebrações eucarísticas da forma ordinária em todos os países católicos. É esta uma directa infracção contra as decisões do Vaticano II.

E) A quinta chaga é o exercício dos serviços litúrgicos de leitor e de acólito por mulheres, bem como o exercício destes mesmos serviços com roupa civil acedendo-se ao presbitério durante a Santa Missa directamente a partir do espaço reservado aos fiéis. Este costume jamais existiu na Igreja, ou, pelo menos, jamais foi bem-vindo. Ele confere à celebração da missa católica o caráter exterior duma coisa informal, o caráter e o estilo mais próprio duma assembleia profana. Já o segundo concílio de Niceia proibia, em 787, tais práticas, tendo editado este cânone: «A quem não for ordenado, não se lhe permita fazer a leitura a partir do ambão durante a santa liturgia» (cân. 14). Esta foi uma forma que foi constantemente respeitada na Igreja. Só os subdiáconos e os leitores tinham o direito de fazer a leitura durante a liturgia da missa. Faltando leitores ou acólitos, e em sua substituição, são homens ou rapazes em vestes litúrgicas que o podem fazer, e não as mulheres, uma vez que o sexo masculino, no âmbito da ordenação não sacramental dos leitores e acólitos, representa simbolicamente o último laço com as ordens menores.

Nos textos de Vaticano II, nenhuma menção se faz à supressão das ordens menores e do subdiácono, nem da introdução de novos ministérios. Em Sacrosanctum Concilium n° 28, o concílio estabelece a diferença entre «minister» e «fidelis» no interior da celebração litúrgica, e estipula que tanto um como o outro não têm senão o direito de fazer o que lhes convém segundo a natureza da liturgia. O nº29 menciona os «ministrantes», isto é, aqueles que ajudam no serviço do altar sem terem recebido qualquer ordenação. Em contraposição a estes, segundo os termos jurídicos da época, haveria então os «ministri», isto é, os que receberam uma ordem, seja ela maior ou menor.


V – O Motu proprio, para pôr fim à ruptura litúrgica

Com o Motu proprio Summorum pontificum, o Papa Bento XVI estipulou que as duas formas do rito romano devem ser olhadas e tratadas com igual respeito, já que a Igreja é a mesma antes e depois do concílio. Na carta que acompanhou o Motu proprio, o Papa expressa o desejo de que as duas formas se enriqueçam mutuamente. Além disso, ele deseja ainda que na nova forma se possa «manifestar, de maneira mais intensa do que frequentemente tem acontecido até agora, aquela sacralidade que atrai muitos para o uso antigo».

As quatro chagas ou hábitos infelizes (celebração “versus populum”, comunhão na mão, total abandono do latim e do canto gregoriano, e a intervenção de mulheres no serviço de leitura e no de acolitado), em si, nada têm que ver com a forma ordinária da missa e, a mais disso, estão em contradição com os princípios litúrgicos de Vaticano II. Se puséssemos termo a estes usos, estaríamos a seguir o verdadeiro ensinamento litúrgico de Vaticano II. E então, as duas formas do rito romano aproximar-se-iam enormemente, de maneira que, pelo menos do ponto de vista exterior, não observaríamos qualquer ruptura entre elas, e por isso mesmo, também já não haveria ruptura entre a Igreja de antes do concílio e aquela de depois.

No que toca às novas orações do ofertório, seria desejável que a Santa Sé as substituísse pelas orações correspondentes da forma extraordinária, ou, pelo menos, que permitisse a sua utilização “ad libitum”. Deste modo, não seria apenas exteriormente, mas também interiormente que se evitaria a ruptura entre as duas formas. Uma ruptura na liturgia é precisamente o que os Padres conciliares não quiseram; isso mesmo é o que testemunham as actas do concílio, pois nos dois mil anos de história da Santa Igreja, jamais houve ruptura litúrgica, e por consequência, jamais deverá dar-se uma tal ruptura. O que, ao contrário, deve haver é uma continuidade, que é o mesmo que convém no caso do magistério.

As cinco chagas do corpo litúrgico da Igreja aqui evocadas reclamam a sua cura. Elas representam uma ruptura comparável à do exílio de Avinhão. A situação é a de uma ruptura tão clara numa das expressões da vida da Igreja, que está longe de ser algo sem importância — outrora era a ausência dos Papas da cidade de Roma, hoje é a ruptura visível entre a liturgia de antes e de depois do concílio: é, pois, uma situação que reclama uma cura.

É por isso que precisamos hoje de novos santos, de uma ou de várias Santas Catarina de Siena. Precisamos da “vox populi fidelis” a reclamar a supressão desta ruptura litúrgica. Mas o trágico da história, hoje como outrora, no tempo do exílio de Avinhão, é que sobretudo o alto clero está satisfeito com este exílio, com esta ruptura.

Antes que possamos esperar frutos eficazes e duradouros da nova evangelização, é preciso, primeiro, que se instaure no interior da Igreja um processo de conversão. Como podemos nós fazer apelo aos outros para que se convertam, enquanto, entre os apelantes, ainda não se viu uma conversão para Deus convincente, já que na liturgia eles ainda não se voltaram suficientemente para Deus, tanto interior como exteriormente. Celebra-se o sacrifício da missa, o sacrifício da adoração de Cristo, o maior dos mistérios da fé, o acto de adoração mais sublime, num círculo fechado enquanto as pessoas olham umas para as outras.

Falta, mesmo exterior e fisicamente, a necessária «conversio ad Dominum». Isto porque durante a liturgia se trata Cristo como se ele não fosse Deus, e não se lhe manifesta claros sinais exteriores daquela adoração que é devida só a Deus, o que se vê no facto de os fiéis receberem a sagrada comunhão de pé, e, mais ainda, tomando-a com as próprias mãos como se fosse um alimento ordinário, agarrando-a com os próprios dedos e metendo-a por si mesmos na própria boca. Há nisto o risco de uma espécie de arianismo ou de semi-arianismo eucarístico.

Uma das condições necessárias para uma nova evangelização frutuosa seria o seguinte testemunho por parte de toda a Igreja no âmbito do culto litúrgico público, observando pelo menos estes dois aspetos do culto divino:

1) Que por toda a terra, a Santa Missa seja celebrada, mesmo na forma ordinária, em «conversio ad Dominum», interiormente e também, necessariamente, exteriormente.

2) Que os fiéis dobrem o joelho diante de Cristo no momento da sagrada comunhão, como pede São Paulo quando se evoca o nome e a pessoa de Cristo (cf. Phil. 2, 10), e que eles O recebam com o maior amor e respeito que for possível, como Lhe convém enquanto verdadeiro Deus.

Com duas medidas concretas, o Papa Bento XVI encetou, Deus seja louvado, o processo de regresso do exílio litúrgico de Avinhão, isto é, com o Motu proprio Summorum pontificum e com a reintrodução do rito da comunhão tradicional.

São ainda necessárias muitas orações e, talvez, uma nova Santa Catarina de Siena, para que os outros passos se sigam, de maneira a que sejam curadas as cinco chagas abertas sobre o corpo litúrgico e místico da Igreja e para que Deus seja venerado na liturgia com aquele amor, aquele respeito e aquele sentido do sublime que sempre foram a marca da Igreja e dos seus ensinamentos, nomeadamente através do Concílio de Trento, do Papa Pio XII na sua encíclica Mediator Dei, do Concílio Vaticano II na sua constituição Sacrosanctum Concilium, e do Papa Bento XVI na sua teologia da liturgia, no seu magistério litúrgico prático e no Motu proprio já citado.

Ninguém pode evangelizar se antes não tiver adorado, ou até mesmo se não adora permanentemente e não dá a Deus, o Cristo Eucaristia, a verdadeira prioridade no modo de celebrar e em toda a sua vida. Na verdade, para retomar as palavras do Cardeal Joseph Ratzinger: «É na maneira de tratar a liturgia que se decide a sorte da Fé e da Igreja».
(1) Mgr Schneider, bispo auxiliar da arquidiocese de Santa Maria de Astana, secretário da Conferência Episcopal do Cazaquistão, e grande promotor da comunhão na boca, já concedeu uma longa entrevista à Paix Liturgique, que foi publicada nas nossas cartas 9, 10 et 11.

(2) N.T. : «não se introduzam inovações … as novas formas surjam organicamente a partir das já existentes».


FONTE: Paix Liturgique

Dom Athanasius Shneider


 
"A ideia de que o sacerdote e a assembleia se devem mirar durante a oração nasceu entre os modernos e é totalmente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, é ao Senhor que eles se dirigem. É por isso que na oração eles olham na mesma direcção: ou para o Oriente, que é o símbolo cósmico do regresso de Nosso Senhor, ou então, onde isso não seja possível, para uma imagem de Cristo situada na ábside, para uma cruz ou, muito simplesmente, todos juntos para o alto."
Papa Bento XVI