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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Onde celebrar? (CIC 1179-1186)

Onde celebrar? (CIC 1179-1186)



Rubrica de Teologia litúrgica aos cuidados do Pe. Mauro Gagliardi



Uwe Michael Lang*

ROMA, quarta-feira, 27 de junho de 2012 (ZENIT.org) - Com o artigo de hoje, conclui-se o quarto ano da rubrica “Espírito da Liturgia", que neste ano dedicamos ao ensinamento litúrgico do Catecismo da Igreja Católica, em preparação para o Ano da Fé. Ao despedir-nos dos nossos leitores, esperamos reencontrar-los no próximo mês de outubro (Pe. Mauro Gagliardi).

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Na sua existência, o homem é identificado por duas coordenadas fundamentais: o espaço e o tempo, duas realidades que não se constroem, mas que lhe são dadas. O homem está ligado ao espaço e ao tempo, e também a sua oração a Deus está. Enquanto a oração como simples ato religioso pode ser feita em todos os lugares, a liturgia, no entanto, como um ato de culto público e ordenado, requer um lugar, geralmente um edifício, onde possa ser realizada como rito sagrado.

O edifício de culto cristão não é o equivalente do templo pagão, onde a câmara com a imagem da divindade também era considerada, de alguma forma, a casa dela. Como diz São Paulo aos atenienses: "Deus não habita em templos construídos pelo homem" (Atos dos Apóstolos 17,24).

Em vez disso, há um relacionamento mais próximo com a Tenda do Encontro, erguida no deserto de acordo com as instruções do próprio Deus, onde a glória do Senhor (shekinah) se manifestava (Êxodos 25,22; 40,34). No entanto, Salomão, depois de ter construído o Templo de Jerusalém, o prédio que toma o lugar da Tenda da reunião,  exclama: "Mas será que é verdade que Deus habita na terra? Eis os céus, e os céus dos céus não podem te conter, muito menos esta casa que eu edifiquei!" (1 Reis 8,27). Na história do povo de Israel há uma espiritualização, que leva à famosa passagem do profeta Isaías: "Toda a terra está cheia de sua glória" (Isaías 6,3; cf. Jeremias 23,24; Salmos 139,1-8; Sabedoria 1,7), texto passado depois para o Sanctus da Liturgia Eucarística. "Toda a terra é santa e confiada aos filhos dos homens" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1179).

Uma nova etapa está presente no Evangelho segundo João, quando Cristo declara, durante o seu encontro com a mulher Samaritana, que "chegou a hora, e agora é quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade" (João 4,23). Isso não significa que, à luz do Evangelho, não se deveria ter algum culto público ou edifício sagrado. O Senhor não disse que não deveriam ter lugares de culto na Nova Aliança;  ao mesmo tempo, na profecia sobre a destruição do Templo, Ele não afirma que nunca mais deva existir edifícios construídos em honra de Deus, mas sim que não deve existir somente um lugar exclusivo.

O próprio Cristo, seu corpo vivo, ressuscitado e glorificado, é o novo templo onde Deus habita e onde acontece o seu culto universal "em espírito e verdade" (cf. J. Ratzinger, Introduzione allo spirito della liturgia, San Paolo, Cinisello Balsamo 2001, pgs. 39-40). Como São Paulo escreve: "É em Cristo que habita corporalmente toda a plenitude da divindade e vocês têm nele parte da sua plenitude” (Colossenses 2, 9-10). Por participação, por força do Batismo, também o corpo do cristão se torna templo de Deus (1 Coríntios 3, 16-17; 6,19; Efésios 2, 22). Usando uma frase muito querida por Santo Agostinho, Christus Totus, o Cristo inteiro é o verdadeiro lugar de culto cristão, isto é, Cristo como Cabeça e os cristãos como membros do seu Corpo Místico. Os fiéis que se reunem num mesmo lugar para o culto divino são as "pedras vivas", colocadas juntas “para a construção de um edifício espiritual” (1 Pedro 2,4-5). De fato, é significativo que a palabra que antes indicava a ação do reunir-se dos cristãos, ou seja ekklesia – Igreja –, tenha passado a indicar o mesmo lugar onde acontece a reunião. O Catecismo da Igreja Católica insiste no fato de que as igrejas (como edifícios) "não são simples lugares de reunião, mas significam e manifestam a Igreja que vive naquele lugar, lar de Deus com os homens reconciliados e unidos em Cristo” (n. 1180).

Em época paleocristiana, forma típica do edifício igreja foi a basílica com grande nave central retangular, que termina num ábside semicircular. Tal tipo de edifício correspondia às exigência da liturgia cristã e, ao mesmo tempo, deixava grande liberdade aos contrutores, para a escolha dos elementos arquitetônicos e artísticos. A basílica exprime também uma orientação axial, que abre a assembléia para as dimensões transcendente e escatológica da ação litúrgica. Na tradição latina, a disposição do espaço litúrgico com a orientação axial permaneceu como norma e se acha que também hoje seja a melhor forma, porque exprime o dinamismo de uma comunidade a caminho do Senhor.

Como afirma Bento XVI, "a natureza do templo cristão define-se pela mesma ação litúrgica” (Sacramentum Caritatis, n. 41). Por esta razão, também o projeto das alfaias sacras (altar, tabernáculo, sede, ambão, batistério, lugar da penitência) não pode apenas seguir critérios funcionais. A arquitetura e a arte não são elementos extrínsecos à liturgia e nem sequer têm uma função meramente decorativa. Por isso, o compromisso de construir ou adequar as igrejas deve estar permeado do Espírito e das normas da liturgia da Igreja, ou seja daquela lex orandi que exprime a lex credendi, e disso nasce a grande responsabilidade seja dos que projetam seja dos que encomendam.

* Padre Uwe Michael Lang, C.O., é um Oficial da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e Consultor do Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice.

FONTE: ZENIT

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